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A conta que não fecha: desafios e paradoxos da carga tributária no Brasil


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RESUMO

O debate sobre a carga tributária no Brasil é marcado por um paradoxo recorrente: apesar do elevado nível de arrecadação, próximo ao de economias desenvolvidas, os serviços públicos oferecidos permanecem aquém das expectativas sociais, e a estrutura tributária continua sendo percebida como injusta. Este artigo tem como objetivo analisar os fatores que explicam esses paradoxos, investigando de que forma a elevada arrecadação se relaciona com os baixos níveis de eficiência na prestação de serviços públicos e com a limitada justiça fiscal. Para tanto, desenvolveu-se uma pesquisa qualitativa, de caráter descritivo, fundamentada em revisão bibliográfica e documental realizada em bases acadêmicas e relatórios institucionais publicados entre 2017 e 2025, sem desconsiderar contribuições clássicas da teoria das finanças públicas. Os resultados mostram que o sistema tributário brasileiro combina alta carga com regressividade, devido à predominância de tributos sobre consumo, o que transfere maior ônus proporcional às famílias de baixa renda. Além disso, a baixa eficiência do gasto público e a limitada progressividade dos tributos sobre renda e patrimônio reduzem a legitimidade social da tributação. A análise também identificou que a recente reforma tributária, materializada pela Emenda Constitucional nº 132/2023 e pela Lei Complementar nº 214/2025, representa um avanço ao propor simplificação, neutralidade e mecanismos compensatórios como o cashback, embora sua efetividade dependa da coordenação federativa e da qualidade da implementação. Conclui-se que a superação do paradoxo tributário brasileiro exige reformas estruturais que combinem eficiência, transparência e maior justiça fiscal.

Palavras-chave: Carga Tributária. Justiça Fiscal. Eficiência do Gasto Público. Reforma Tributária. Regressividade.

 

ABSTRACT

The debate on the tax burden in Brazil is marked by a recurring paradox: despite high tax collection levels, close to those of developed economies, the public services offered remain below social expectations, and the tax structure continues to be perceived as unfair. This article aims to analyze the factors that explain these paradoxes, investigating how high tax collections relate to low levels of efficiency in the provision of public services and limited fiscal justice. To this end, a qualitative, descriptive study was conducted, based on a bibliographic and documentary review of academic databases and institutional reports published between 2017 and 2025, without disregarding classical contributions from public finance theory.  The results show that the Brazilian tax system combines high burden and regressivity, due to the predominance of consumption taxes, which transfers a greater proportional burden to low-income families. Furthermore, the low efficiency of public spending and the limited progressivity of income and wealth taxes reduce the social legitimacy of taxation. The analysis also identified that the recent tax reform, implemented by Constitutional Amendment No. 132/2023 and Complementary Law No. 214/2025, represents progress by proposing simplification, neutrality, and compensatory mechanisms such as cashback, although its effectiveness depends on federal coordination and the quality of implementation. The conclusion is that overcoming the Brazilian tax paradox requires structural reforms that combine efficiency, transparency, and greater tax justice.

 

Keywords: Tax Burden. Fiscal Justice. Public Spending Efficiency. Tax Reform. Regressivity.


 INTRODUÇÃO

 

O debate sobre a carga tributária no Brasil acompanha a própria formação do Estado moderno brasileiro. Ao longo das últimas décadas, consolidou-se a percepção de que o país combina um dos sistemas de arrecadação mais complexos e onerosos do mundo com serviços públicos que nem sempre correspondem às expectativas da sociedade. Essa contradição alimenta a sensação de que “a conta não fecha”: os contribuintes arcam com altos tributos, mas enfrentam deficiências persistentes em áreas como saúde, educação, infraestrutura e segurança.

De acordo com relatórios da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE, 2023), o Brasil figura entre os países com maior carga tributária em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) na América Latina, superando a média regional e aproximando-se de economias desenvolvidas. No entanto, diferentemente do que ocorre em países da Europa Ocidental, a arrecadação brasileira não se traduz em retorno equivalente em bem-estar social, produtividade e competitividade econômica. Esse paradoxo revela não apenas um problema de magnitude da carga, mas também de sua composição, marcada pela forte incidência sobre o consumo e pela regressividade que penaliza de forma desproporcional as camadas de menor renda (GOBETTI; ORAIR, 2022).

A discussão sobre a tributação, portanto, não se limita à análise técnica de números e percentuais, mas envolve dimensões éticas, sociais e políticas. A forma como os tributos são arrecadados e redistribuídos influencia diretamente a confiança da sociedade no Estado, a atratividade do ambiente de negócios e a capacidade de o país promover crescimento sustentável. Assim, compreender os desafios e paradoxos da carga tributária brasileira exige um olhar que vá além da contabilidade fiscal e incorpore questões como justiça distributiva, transparência na gestão pública e eficiência alocativa.

Este artigo tem como propósito examinar criticamente a evolução da carga tributária no Brasil, seus impactos econômicos e sociais e os dilemas que se colocam diante das propostas de reforma. Busca-se, assim, contribuir para o debate acadêmico e para a reflexão sobre caminhos que possam tornar o sistema tributário mais justo, eficiente e alinhado às necessidades de desenvolvimento do país.

Com isso, surge a seguinte problemática de estudo:  Quais fatores explicam a discrepância entre a elevada carga tributária brasileira e os baixos níveis de eficiência na prestação de serviços públicos e de justiça fiscal?

Logo, o objetivo geral deste trabalho é analisar os fatores que explicam os paradoxos da carga tributária no Brasil, investigando de que forma a elevada arrecadação se relaciona com os baixos níveis de eficiência na prestação de serviços públicos e com a limitada justiça fiscal.  E os objetivos específicos são: (i) examinar a evolução histórica da carga tributária brasileira e sua composição em comparação com padrões internacionais; (ii) avaliar os impactos econômicos e sociais da estrutura tributária brasileira, com ênfase na eficiência do gasto público e na regressividade do sistema e (iii) identificar os principais desafios e perspectivas de reforma tributária voltados à promoção de maior justiça fiscal e eficiência na alocação dos recursos públicos.

A carga tributária no Brasil constitui um dos temas mais recorrentes e controversos do debate econômico e contábil contemporâneo. Embora o país apresente níveis de arrecadação compatíveis com economias desenvolvidas, a percepção social é de que os tributos não retornam em forma de serviços públicos de qualidade, gerando um paradoxo que compromete a confiança da sociedade no Estado e limita a competitividade das empresas.

Esse contraste entre alta tributação e baixo retorno evidencia uma lacuna de análise que vai além da simples mensuração do volume arrecadado, exigindo uma investigação aprofundada sobre eficiência do gasto público, justiça fiscal e equidade distributiva.

Do ponto de vista acadêmico, a pesquisa contribui para ampliar o entendimento sobre os dilemas estruturais da tributação no Brasil, dialogando com referenciais teóricos da economia pública, da contabilidade tributária e das políticas fiscais comparadas. Em termos sociais e práticos, a análise é relevante porque fornece elementos para a formulação de políticas públicas mais equilibradas, que possam conciliar arrecadação suficiente com a promoção do desenvolvimento econômico e da justiça social.

Assim, o estudo se justifica não apenas pela atualidade do tema, mas também por sua capacidade de apoiar o debate sobre reformas estruturais que busquem tornar o sistema tributário brasileiro mais transparente, eficiente e justo.

 

2 REFERENCIAL TEÓRICO

 

2.1 FUNDAMENTOS DA TRIBUTAÇÃO E TEORIA DAS FINANÇAS PÚBLICAS

 

A tributação é um dos pilares que sustentam a atuação do Estado contemporâneo. Mais do que uma simples ferramenta de arrecadação, os tributos representam um pacto social que envolve a relação entre governo e sociedade. Nesse pacto, os cidadãos contribuem com parte de sua renda ou consumo e, em contrapartida, esperam que os recursos arrecadados retornem em forma de serviços públicos de qualidade, infraestrutura adequada e políticas sociais que promovam bem-estar coletivo.

A teoria das finanças públicas fornece a base para compreender esse processo. Musgrave (1959) consagrou a ideia de que as funções do Estado podem ser agrupadas em três dimensões: a função alocativa, voltada para a provisão de bens e serviços públicos que o mercado não consegue ofertar de maneira eficiente; a função distributiva, relacionada à correção de desigualdades sociais e econômicas; e a função estabilizadora, voltada para a manutenção do equilíbrio macroeconômico. Esses fundamentos continuam a orientar a literatura contemporânea, ainda que adaptados às transformações do contexto global.

Nos últimos anos, autores como Stiglitz (2023) têm ressaltado que a tributação deve ser pensada em conexão direta com o modelo de desenvolvimento de cada país. Para o autor, sistemas tributários progressivos, baseados na capacidade contributiva, são mais capazes de reduzir desigualdades e promover coesão social. Por outro lado, estruturas regressivas, centradas em tributos sobre o consumo, tendem a penalizar os grupos de menor renda, ampliando a distância entre classes sociais e comprometendo o potencial de crescimento econômico sustentável.

No caso brasileiro, o debate se intensifica porque, embora a carga tributária seja elevada em termos comparativos, sua composição é marcada por forte incidência sobre o consumo. Gobetti e Orair (2022) observam que essa característica torna o sistema pouco eficiente do ponto de vista distributivo, já que famílias de baixa renda acabam comprometendo parcela significativa de seus ganhos com tributos indiretos embutidos em produtos e serviços básicos. Essa situação contribui para o aumento da desigualdade e reforça a percepção social de injustiça fiscal.

Outro ponto relevante é a questão da transparência. A teoria das finanças públicas também enfatiza que a legitimidade da tributação depende da clareza sobre como os recursos são arrecadados e aplicados. A OCDE (2023) destaca que países que investem em sistemas de informação acessíveis e em mecanismos de controle social tendem a gerar maior confiança entre cidadãos e governo, o que fortalece a disposição da sociedade em cumprir com suas obrigações fiscais.

Dessa forma, os fundamentos da tributação não se limitam ao desenho de alíquotas ou à definição de bases de cálculo. Eles envolvem, sobretudo, escolhas de natureza política, ética e social. A compreensão das funções alocativa, distributiva e estabilizadora, associada à discussão contemporânea sobre justiça fiscal, permite enxergar que um sistema tributário deve ser avaliado não apenas pelo volume arrecadado, mas pelos efeitos que produz sobre a equidade, a eficiência econômica e a legitimidade das instituições públicas.

No Brasil, revisitar esses fundamentos é essencial para compreender os paradoxos que marcam a realidade tributária: uma arrecadação elevada que convive com baixa eficiência no retorno à sociedade. O estudo das finanças públicas, portanto, fornece o ponto de partida para analisar de forma crítica os dilemas atuais e pensar caminhos que conciliem sustentabilidade fiscal com justiça social.

 

CARGA TRIBUTÁRIA E JUSTIÇA FISCAL EM PERSPECTIVA INTERNACIONAL

 

A análise da carga tributária não pode ser feita de forma isolada. É preciso situar o caso brasileiro em perspectiva internacional, comparando tanto os níveis de arrecadação quanto os efeitos redistributivos e de eficiência econômica do sistema. Essa comparação é fundamental porque evidencia que a questão tributária não se limita ao volume arrecadado, mas envolve a forma como os tributos são estruturados, distribuídos e aplicados.

Segundo a OCDE (2023), a carga tributária média dos países da organização gira em torno de 34% do PIB, próxima ao patamar observado no Brasil. No entanto, a principal diferença está na composição: enquanto economias avançadas concentram maior parte de sua arrecadação em tributos sobre renda e patrimônio, com caráter mais progressivo, o Brasil mantém forte dependência de tributos sobre o consumo, que são regressivos por natureza. Essa característica faz com que, proporcionalmente, as famílias de baixa renda contribuam mais do que as de alta renda em relação à sua capacidade contributiva.

A comparação com países da América Latina reforça esse contraste. Castañeda Rodríguez (2017) argumenta que a equidade tributária na região enfrenta limites estruturais, uma vez que os sistemas são marcados pela informalidade e pela predominância de tributos indiretos, fatores que dificultam a construção de modelos mais justos. Embora o Brasil arrecade mais do que a média regional, o retorno social é limitado, especialmente em áreas como infraestrutura e educação, revelando que não apenas a carga é elevada, mas também que sua aplicação não tem gerado os resultados esperados em termos de desenvolvimento econômico e bem-estar social.

Outro ponto central no debate internacional é a relação entre tributação e desigualdade. Para Piketty (2022), sistemas progressivos de tributação sobre renda e patrimônio são instrumentos essenciais de redistribuição e de fortalecimento da democracia. Ao contrário, quando prevalecem sistemas regressivos, a desigualdade tende a se intensificar, comprometendo a coesão social. Essa reflexão é particularmente relevante para o Brasil, onde a concentração de renda permanece elevada e os tributos pouco contribuem para reduzir as disparidades.

A justiça fiscal, portanto, vai além da análise técnica das alíquotas. Ela envolve a percepção de legitimidade do sistema, a confiança nas instituições e a clareza sobre a destinação dos recursos arrecadados. Como destaca Stiglitz (2023), países que conseguem equilibrar eficiência econômica com equidade distributiva são aqueles que estruturam sistemas tributários transparentes, progressivos e alinhados a objetivos de desenvolvimento sustentável.

Assim, em uma perspectiva internacional, o Brasil apresenta um paradoxo evidente: sua carga tributária se aproxima de países desenvolvidos em termos de proporção do PIB, mas seus resultados sociais e distributivos ainda refletem padrões de economias em desenvolvimento. Essa constatação evidencia a necessidade de uma reflexão mais profunda sobre o modelo vigente, que combine justiça fiscal com eficiência econômica.

 

DESAFIOS ESTRUTURAIS DA TRIBUTAÇÃO NO BRASIL

 

O sistema tributário brasileiro é frequentemente apontado como um dos mais complexos do mundo, tanto em termos de legislação quanto de operacionalização. A multiplicidade de tributos, a sobreposição de competências entre entes federativos e a elevada carga sobre o consumo formam um conjunto de entraves que impactam diretamente a eficiência econômica e a percepção de justiça fiscal.

Segundo Varsano (2022), a estrutura tributária nacional carrega marcas históricas de fragmentação e improvisação, resultando em um sistema que, além de regressivo, dificulta a competitividade empresarial e cria insegurança jurídica. A ausência de simplificação e de harmonização entre tributos federais, estaduais e municipais é um dos fatores que explicam os elevados custos de conformidade enfrentados por empresas e contribuintes.

Outro desafio estrutural é a regressividade do sistema. Como destacam Gobetti e Orair (2022), a forte dependência de tributos indiretos sobre bens e serviços faz com que famílias de baixa renda comprometam parcela significativa de seus ganhos com impostos, enquanto a tributação sobre renda e patrimônio permanece relativamente limitada. Esse desenho acentua desigualdades e reforça a percepção de que a carga tributária brasileira é elevada, mas pouco justa.

Além disso, a vinculação entre arrecadação e retorno em serviços públicos continua sendo um ponto crítico. Relatórios da OCDE (2023) mostram que, apesar de o Brasil apresentar carga tributária próxima à média de países desenvolvidos, os indicadores sociais — como qualidade da educação, saúde e infraestrutura — permanecem abaixo do esperado. Essa discrepância revela um problema não apenas de arrecadação, mas também de alocação e eficiência do gasto público.

Por fim, o debate sobre reforma tributária ganha destaque como tentativa de enfrentar esses dilemas. Estudos recentes, como o de Rezende (2023), argumentam que a busca por maior simplicidade, progressividade e transparência é fundamental para restaurar a legitimidade do sistema e alinhar a tributação às metas de desenvolvimento econômico e justiça social. No entanto, a diversidade de interesses políticos e econômicos envolvidos dificulta a construção de consensos, perpetuando os entraves estruturais.

Assim, os desafios da tributação no Brasil combinam aspectos históricos, institucionais e distributivos. A elevada carga, somada à regressividade e à baixa eficiência do gasto público, configura um cenário de paradoxos que torna urgente a discussão sobre reformas capazes de aproximar o país de padrões mais justos e sustentáveis.

 

           

METODOLOGIA

 

A pesquisa desenvolvida neste artigo é de natureza qualitativa e caráter descritivo, tendo como principal estratégia a revisão bibliográfica sistemática e interpretativa. A escolha desse método justifica-se pelo objetivo do estudo, que consiste em analisar os paradoxos da carga tributária no Brasil, investigando as razões pelas quais uma elevada arrecadação não se traduz em eficiência na prestação de serviços públicos nem em maior justiça fiscal. Nesse sentido, a bibliografia especializada foi utilizada como fonte primária de evidências, permitindo a construção de uma análise crítica fundamentada em referenciais teóricos consolidados e em contribuições recentes sobre o tema.

O processo de levantamento de dados bibliográficos foi realizado em diferentes etapas. Inicialmente, foram definidas as bases de consulta, priorizando repositórios acadêmicos amplamente reconhecidos, como Scielo, Web of Science, Scopus e Google Scholar. Além disso, foram incorporados documentos técnicos de instituições oficiais e multilaterais, como relatórios da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), que oferecem dados atualizados sobre arrecadação, estrutura tributária e comparações internacionais.

Na segunda etapa, foram delimitados os descritores de pesquisa, de forma a assegurar a pertinência dos materiais coletados. Entre os principais termos utilizados destacam-se: “carga tributária no Brasil”, “justiça fiscal”, “reforma tributária”, “tributação e equidade” e “eficiência do gasto público”. As buscas foram conduzidas em português, inglês e espanhol, de modo a ampliar o escopo da revisão e incorporar contribuições relevantes produzidas em diferentes contextos acadêmicos.

A terceira etapa consistiu na aplicação de critérios de inclusão e exclusão. Foram selecionados trabalhos publicados entre 2017 e 2025, priorizando o recorte temporal mais recente (2022–2025), que corresponde ao período de maior intensidade dos debates sobre a reforma tributária brasileira. Contudo, optou-se por incluir também referências clássicas, como Musgrave (1959), fundamentais para compreender a teoria das finanças públicas e os princípios da tributação. Foram considerados apenas artigos de periódicos avaliados pela CAPES, livros de reconhecido rigor acadêmico e relatórios técnicos de organismos multilaterais. Materiais de caráter jornalístico, opinativo ou sem revisão científica foram descartados, garantindo a consistência e a credibilidade do corpus analisado.

Na etapa seguinte, procedeu-se à sistematização do material selecionado. Os textos foram organizados em categorias temáticas que dialogam diretamente com os objetivos do estudo: (i) evolução histórica e comparativa da carga tributária brasileira; (ii) impactos econômicos e sociais da estrutura tributária, com ênfase na eficiência do gasto público e na regressividade do sistema; e (iii) desafios e perspectivas de reforma tributária voltadas à promoção de maior justiça fiscal e eficiência alocativa. Essa categorização permitiu estruturar a análise de modo coerente com o problema e os objetivos propostos.

Por fim, a análise foi conduzida por meio de leitura crítica, comparativa e interpretativa do material coletado. Buscou-se identificar consensos, divergências e lacunas na literatura, de modo a evidenciar não apenas os diagnósticos recorrentes sobre a carga tributária no Brasil, mas também os dilemas ainda em aberto e as propostas de superação discutidas na literatura recente. Esse procedimento metodológico contribuiu para garantir que os resultados apresentados não se limitem a um levantamento descritivo, mas constituam uma reflexão analítica sobre os paradoxos da tributação brasileira.

Assim, a metodologia adotada confere ao estudo consistência teórica e rigor acadêmico, assegurando que a discussão sobre os desafios da carga tributária no Brasil esteja fundamentada em evidências científicas atualizadas e alinhada às práticas de pesquisa exigidas em periódicos de alto impacto.

 

ANÁLISE DOS RESULTADOS

 

A análise dos resultados, construída a partir da revisão bibliográfica sistemática e documental realizada entre 2017 e 2025, revela de forma clara os paradoxos da carga tributária no Brasil. A pesquisa buscou compreender, de acordo com os objetivos estabelecidos, a evolução histórica e comparativa da tributação, os efeitos distributivos e de eficiência associados à sua estrutura, bem como os desafios enfrentados pelo país diante das propostas de reforma tributária.

O primeiro aspecto identificado diz respeito à evolução recente da carga tributária. Segundo dados da Receita Federal do Brasil (2024), a carga tributária bruta em 2023 correspondeu a 32,11% do PIB, patamar elevado em termos internacionais, ainda que com ligeira redução em relação a 2022. No entanto, como observam Gobetti e Orair (2022), a discussão não deve se restringir ao volume arrecadado, mas à forma como essa arrecadação é distribuída entre diferentes bases de incidência. No Brasil, persiste a predominância de tributos sobre bens e serviços, o que amplia a regressividade e transfere proporcionalmente maior carga tributária às famílias de menor renda. Essa constatação está em consonância com Buzatto (2022), para quem a dependência de tributos indiretos compromete a função redistributiva do sistema tributário e limita a sua legitimidade social.

A comparação com outros países reforça esse diagnóstico. Relatórios da OCDE (2023) e da CEPAL (2024) mostram que o Brasil apresenta carga tributária próxima à média das economias desenvolvidas, mas, diferentemente dessas, estrutura sua arrecadação de forma menos progressiva.

Enquanto nações da Europa concentram a tributação na renda e no patrimônio, o Brasil mantém a maior parte de sua receita sobre o consumo, característica típica de países da América Latina. Piketty (2022) argumenta que a progressividade é essencial para que a tributação contribua para a redução das desigualdades, sendo este um dos pontos em que o sistema brasileiro mais se distancia dos modelos de referência internacional.

O segundo eixo da análise está relacionado aos impactos econômicos e sociais da carga tributária brasileira. A literatura consultada destaca que o paradoxo central não reside apenas na elevada arrecadação, mas na limitada eficiência do gasto público e no baixo retorno percebido pela sociedade. A OCDE

(2023) enfatiza que, em países de alta carga, a legitimidade do sistema depende da qualidade dos serviços públicos ofertados, o que explica a maior aceitação da tributação em contextos em que saúde, educação e infraestrutura apresentam padrões elevados.

No caso brasileiro, a ausência desse retorno reforça a percepção de que

“a conta não fecha”. A CEPAL (2025) acrescenta que o espaço fiscal do país se encontra pressionado pela necessidade de financiar políticas sociais e investimentos em infraestrutura, mas a baixa eficiência do gasto reduz os efeitos positivos da arrecadação sobre o desenvolvimento econômico.

Além disso, a análise revelou a relevância dos gastos tributários, isto é, das renúncias fiscais que, segundo estudos recentes, representam parcela significativa da receita potencial e carecem de maior transparência e avaliação de efetividade (de RENZIO et al., 2025). Tais renúncias, muitas vezes justificadas por incentivos ao investimento ou à geração de emprego, acabam por reduzir a progressividade do sistema e limitar o espaço de financiamento de políticas sociais, intensificando o desequilíbrio entre arrecadação e retorno.

O terceiro eixo está relacionado aos desafios e perspectivas de reforma tributária. A promulgação da Emenda Constitucional nº 132/2023 introduziu mudanças relevantes, como a substituição de tributos sobre o consumo pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), ambos estruturados no princípio do destino.

A medida visa simplificar o sistema e reduzir a cumulatividade, ao mesmo tempo em que prevê mecanismos de compensação, como o cashback de tributos para famílias de baixa renda (BRASIL, 2023). A Lei Complementar nº 214/2025 regulamentou esses dispositivos, estabelecendo percentuais de devolução e cronogramas de transição, configurando uma tentativa concreta de enfrentar a regressividade do sistema (BRASIL, 2025).

Autores como Rezende (2023) e Varsano (2022) destacam que a efetividade da reforma dependerá da sua implementação e da capacidade de coordenação entre União, estados e municípios. Embora haja expectativa de ganhos de eficiência e competitividade, há também riscos de complexidade regulatória e de manutenção de privilégios setoriais que podem comprometer os resultados esperados. Nesse sentido, o sucesso da reforma não está apenas em sua aprovação formal, mas na gestão de sua execução e no acompanhamento dos efeitos distributivos ao longo do tempo.

Dessa forma, a análise dos resultados confirma a problemática inicial desta pesquisa: a discrepância entre a elevada carga tributária brasileira e os baixos níveis de eficiência na prestação de serviços públicos e de justiça fiscal decorre de um conjunto de fatores estruturais.

A concentração da arrecadação em tributos regressivos, a limitada eficiência do gasto, a ausência de retorno proporcional em serviços públicos e a fragilidade dos mecanismos de redistribuição configuram um cenário em que a tributação é percebida mais como ônus do que como instrumento de equidade e desenvolvimento. Ao mesmo tempo, os avanços recentes da reforma tributária representam um passo importante, mas ainda insuficiente, diante da complexidade dos desafios postos.

No processo de análise dos resultados, a revisão bibliográfica revelou um conjunto consistente de estudos que ajudam a compreender a trajetória e as contradições da carga tributária no Brasil. Esses trabalhos, produzidos em diferentes momentos e contextos, permitem identificar tanto a evolução conceitual do debate quanto as propostas de superação dos dilemas estruturais da tributação.

A partir deles, é possível perceber como a literatura acadêmica e institucional tem avançado da ênfase nos fundamentos clássicos das finanças públicas para discussões mais contemporâneas, centradas na regressividade do sistema, na eficiência do gasto e nas recentes propostas de reforma.

Para evidenciar esse percurso e destacar as principais contribuições à literatura, elaborou-se a Tabela 1, que organiza os estudos selecionados em ordem cronológica, apresentando seus conceitos centrais, fundamentos e contribuições ao debate sobre justiça fiscal e eficiência tributária no Brasil.

 

             

Tabela 1 - Estudos anteriores de autores nacionais e internacionais

Autor(es)

Conceito central

Fundamentos principais

Contribuições à literatura

Musgrave (1959)

Teoria das finanças públicas

Funções do Estado: alocativa, distributiva e estabilizadora

Estabeleceu a base conceitual para compreender a tributação como instrumento de política econômica e social.

Varsano (1996)

Diagnóstico do sistema tributário

brasileiro

Análise do ICMS e

guerra fiscal

Debateu problemas fragmentação

os de

 

 

 

federativa         e

a

 

 

 

necessidade

de

 

 

 

harmonização da tributação sobre consumo.

Gobetti       e       Orair

(2016)

Progressividade tributária no Brasil

Estudo sobre regressividade e concentração no consumo

Evidenciaram a baixa progressividade do sistema brasileiro e a urgência de uma agenda de justiça fiscal.

Piketty (2019)

Tributação                    e

desigualdade

Proposta de maior tributação sobre

renda e patrimônio

Defendeu tributos progressivos como mecanismo de redistribuição e

fortalecimento democrático.

Buzatto (2022)

Regressividade           da

tributação

Estudo sobre a incidência de tributos sobre consumo

Mostrou como o sistema atual penaliza famílias de baixa renda, comprometendo a equidade.

Gobetti       e       Orair

(2022)

Reforma tributária justiça fiscal

e

Avaliação                  de

propostas de reforma

Analisaram

alternativas     de reforma tributária no Brasil com foco em progressividade           e eficiência.

Rezende (2023)

Obstáculos oportunidades reforma

e da

Análise crítica da EC 132/2023

Discutiu riscos e possibilidades da reforma tributária, apontando desafios de implementação.

Stiglitz (2023)

Tributação desenvolvimento

inclusivo

e

Ligação entre justiça fiscal e crescimento sustentável

Reforçou que sistemas regressivos ampliam desigualdades e reduzem coesão social.

OCDE (2023)

Comparações internacionais

Estatísticas de carga tributária na América Latina e OCDE

Mostrou que o Brasil arrecada próximo aos países

desenvolvidos, mas

Autor(es)

Conceito central

Fundamentos principais

Contribuições à literatura

 

 

 

com estrutura menos progressiva.

CEPAL (2024)

Espaço         fiscal        e

equidade

Panorama fiscal da América Latina

Identificou limitações estruturais da região e a necessidade de ampliar eficiência do gasto    e progressividade.

de Renzio et al. (2025)

Gastos tributários e transparência

Relatório

internacional     sobre renúncias fiscais

Demonstraram a importância de revisar e avaliar gastos tributários como parte da agenda de justiça fiscal.

Fonte: Própria autoria, 2025.

 

A sistematização apresentada na Tabela 1 evidencia a evolução do debate tributário ao longo de mais de seis décadas, revelando como as discussões avançaram de fundamentos clássicos, baseados na teoria das finanças públicas (Musgrave, 1959), para diagnósticos estruturais do caso brasileiro (Varsano, 1996), até análises mais recentes que problematizam a regressividade da tributação e a necessidade de maior justiça fiscal (Gobetti; Orair, 2016; Buzatto, 2022).

Observa-se também a incorporação crescente de estudos internacionais, como os de Piketty (2019) e Stiglitz (2023), que reforçam a centralidade da progressividade como instrumento de redução das desigualdades. Relatórios institucionais da OCDE e da CEPAL (2023; 2024; 2025) reforçam a perspectiva comparativa, enquanto trabalhos nacionais contemporâneos (Rezende, 2023; Gobetti; Orair, 2022) dialogam diretamente com as recentes reformas constitucionais.

Em suma, a agenda de avaliação dos gastos tributários (de RENZIO et al., 2025) acrescenta ao debate a necessidade de maior transparência e eficiência na utilização de renúncias fiscais. Dessa forma, o conjunto de estudos sintetizados demonstra que a problemática deste artigo — a discrepância entre a elevada carga tributária brasileira e seus baixos níveis de eficiência e justiça fiscal — não é um fenômeno isolado, mas resulta de uma trajetória histórica de desafios ainda não superados.

A análise dos resultados permite concluir que os objetivos específicos da pesquisa foram alcançados. Em primeiro lugar, verificou-se que a evolução histórica e comparativa da carga tributária brasileira confirma o diagnóstico de elevada arrecadação, em patamar próximo ao de países desenvolvidos, mas com composição distinta, fortemente dependente de tributos sobre o consumo. 

Em segundo lugar, identificaram-se os impactos econômicos e sociais dessa estrutura, marcados por regressividade e por um retorno limitado em serviços públicos, aspectos que comprometem tanto a eficiência do gasto quanto a percepção de legitimidade do sistema. Neste prisma, os estudos recentes analisados apontam que os principais desafios contemporâneos se concentram na efetiva implementação da reforma tributária, que busca simplificar o sistema, reduzir distorções e introduzir mecanismos de progressividade, como o cashback.

Dessa forma, a discrepância entre carga tributária elevada e baixos níveis de eficiência e justiça fiscal, formulada como problema de pesquisa, permanece como um paradoxo central a ser enfrentado, ainda que os avanços institucionais mais recentes sinalizem caminhos possíveis para sua superação.

 

CONCLUSÃO 

 

O presente estudo analisou os paradoxos da carga tributária no Brasil a partir de uma revisão bibliográfica sistemática, com o objetivo de compreender por que um país com elevado nível de arrecadação apresenta baixos índices de eficiência na prestação de serviços públicos e reduzida justiça fiscal. A investigação, orientada pela questão central — quais fatores explicam a discrepância entre a elevada carga tributária brasileira e os baixos níveis de eficiência na prestação de serviços públicos e de justiça fiscal? —, permitiu sintetizar diferentes contribuições nacionais e internacionais, articulando fundamentos clássicos das finanças públicas com análises recentes sobre regressividade, eficiência do gasto e perspectivas de reforma.

O objetivo geral do trabalho foi alcançado ao evidenciar que a discrepância identificada resulta de um conjunto de fatores estruturais. Entre eles, destacam-se: a predominância da tributação sobre bens e serviços, que reforça a regressividade do sistema; a limitada progressividade dos tributos sobre renda e patrimônio; a baixa eficiência do gasto público, que reduz a legitimidade social da tributação; e a falta de mecanismos transparentes de avaliação das renúncias fiscais, que comprometem o espaço fiscal e a equidade distributiva.

Em relação aos objetivos específicos, verificou-se que: (i) a evolução histórica da carga tributária brasileira demonstra que, apesar de oscilações conjunturais, o país mantém um nível de arrecadação elevado, próximo ao observado em economias desenvolvidas, mas com composição desfavorável à justiça fiscal; (ii) os impactos econômicos e sociais dessa estrutura são perceptíveis na persistência de desigualdades e na dificuldade de o Estado oferecer serviços públicos de qualidade em contrapartida à arrecadação; e (iii) os principais desafios e perspectivas de reforma estão concentrados na implementação da Emenda Constitucional nº 132/2023 e da Lei Complementar nº 214/2025, que representam avanços institucionais relevantes, mas cuja efetividade dependerá da qualidade regulatória, da coordenação federativa e da capacidade de monitoramento dos resultados distributivos.

Do ponto de vista acadêmico, este artigo contribui para a literatura ao reunir de forma cronológica e comparativa os principais estudos nacionais e internacionais sobre a carga tributária brasileira, evidenciando a evolução do debate desde os fundamentos clássicos de Musgrave (1959) até as análises recentes de Gobetti e Orair (2022), Rezende (2023), Stiglitz (2023) e relatórios da OCDE e CEPAL (2023–2025). Essa sistematização permitiu não apenas mapear os consensos já estabelecidos — como a necessidade de maior progressividade e eficiência —, mas também identificar lacunas ainda pouco exploradas, como o impacto distributivo efetivo dos mecanismos de cashback introduzidos pela reforma tributária.

Do ponto de vista social e prático, a pesquisa reforça que a tributação no Brasil precisa ser compreendida não apenas como mecanismo de arrecadação, mas como instrumento de justiça social e desenvolvimento econômico. O paradoxo da “conta que não fecha” não pode ser explicado unicamente por problemas técnicos de desenho tributário, mas também por escolhas políticas que historicamente privilegiaram a tributação indireta e renúncias pouco transparentes. Os avanços recentes oferecem uma janela de oportunidade para corrigir parte dessas distorções, mas a efetiva transformação dependerá de um esforço contínuo de simplificação, progressividade, transparência e eficiência do gasto público.

É importante reconhecer que este estudo apresenta limitações inerentes ao método adotado. Como se trata de uma pesquisa bibliográfica, a análise depende da disponibilidade e da qualidade das fontes consultadas, não incluindo dados empíricos primários que poderiam enriquecer o debate. Essa limitação, entretanto, abre espaço para novas investigações, como estudos econométricos sobre os efeitos distributivos da reforma tributária, análises de impacto do cashback sobre diferentes estratos de renda e pesquisas qualitativas sobre a percepção social da legitimidade do sistema tributário.

Conclui-se, portanto, que a elevada carga tributária brasileira, combinada com baixa eficiência e regressividade, constitui um dos maiores desafios para a construção de um Estado mais justo e eficiente. A superação desse paradoxo exige não apenas reformas normativas, mas também uma mudança estrutural na forma como a arrecadação é distribuída e como o gasto público é executado. A agenda de justiça fiscal, eficiência e transparência, amplamente destacada pela literatura, deve orientar as próximas etapas de transformação do sistema tributário brasileiro, de modo a aproximar o país de padrões que conciliem desenvolvimento econômico com equidade social.


DOI: 10.54033/cadpedv22n11-195 

Originals received: 8/15/2025

Acceptance for publication: 9/5/2025

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