Déficit Previdenciário no Brasil: Desafios de Sustentabilidade Fiscal e Impactos Sociais
- Frederico de Alcantara e Silva
- 13 de out.
- 20 min de leitura
Atualizado: 14 de out.

RESUMO
O déficit previdenciário no Brasil constitui um dos maiores desafios de sustentabilidade fiscal e de justiça social do Estado contemporâneo. Apesar da relevância da previdência como pilar de proteção social, o sistema apresenta desequilíbrios persistentes entre arrecadação e despesa, agravados pelo envelhecimento populacional e pela queda da taxa de fecundidade. Este artigo teve como objetivo analisar os fatores que explicam a persistência do déficit previdenciário no Brasil, investigando de que forma esse desequilíbrio compromete a sustentabilidade fiscal e gera impactos sobre a justiça social. A pesquisa adotou abordagem qualitativa, de caráter descritivo e exploratório, fundamentada em revisão bibliográfica e documental, com foco em publicações entre 2019 e 2024, complementadas por obras de referência. Os resultados indicam que o déficit previdenciário brasileiro decorre de fatores estruturais, como a transição demográfica acelerada, a rigidez das despesas obrigatórias e a insuficiência das reformas realizadas até o momento. Constatou-se ainda que, embora a previdência seja responsável pela redução significativa da pobreza entre idosos, sua manutenção em patamares deficitários limita a capacidade de investimento público e pressiona a estabilidade macroeconômica. A análise também mostrou que reformas recentes, como a de 2019, trouxeram avanços importantes, mas não solucionaram o problema de longo prazo. Conclui-se que o enfrentamento do déficit previdenciário exige reformas contínuas, baseadas em responsabilidade fiscal, justiça intergeracional e preservação da função distributiva da previdência.
Palavras-chave: Déficit Previdenciário. Sustentabilidade Fiscal. Transição Demográfica. Reforma da Previdência. Justiça Social.
ABSTRACT
The pension deficit in Brazil constitutes one of the greatest challenges to fiscal sustainability and social justice for the contemporary state. Despite the importance of pensions as a pillar of social protection, the system presents persistent imbalances between revenue and expenditure, exacerbated by population aging and declining fertility rates. This article aimed to analyze the factors that explain the persistence of the pension deficit in Brazil, investigating how this imbalance compromises fiscal sustainability and impacts social justice. The research adopted a qualitative, descriptive, and exploratory approach, based on a bibliographic and documentary review, focusing on publications published between 2019 and 2024, supplemented by reference works. The results indicate that Brazil's pension deficit stems from structural factors, such as the accelerated demographic transition, the rigidity of mandatory spending, and the inadequacy of reforms implemented to date. It was also found that, although the pension system is responsible for a significant reduction in poverty among the elderly, maintaining deficit levels limits public investment capacity and puts pressure on macroeconomic stability. The analysis also showed that recent reforms, such as the one in 2019, brought important progress but did not solve the long-term problem. The conclusion is that addressing the pension deficit requires ongoing reforms based on fiscal responsibility, intergenerational justice, and the preservation of the pension system's distributive function.
Keywords: Pension Deficit. Fiscal Sustainability. Demographic Transition. Pension Reform. Social Justice.
INTRODUÇÃO
O déficit previdenciário no Brasil constitui um dos principais desafios de sustentabilidade fiscal do Estado e vem se ampliando nas últimas décadas. De acordo com o Tribunal de Contas da União (2023), somente em 2022 o Regime Geral de Previdência Social (RGPS) apresentou um déficit superior a R$ 270 bilhões, valor que correspondeu a cerca de 72% do déficit previdenciário total da União. Esse cenário revela não apenas a disparidade estrutural entre arrecadação e despesa previdenciária, mas também a pressão crescente sobre as contas públicas.
A dinâmica demográfica brasileira reforça a gravidade da situação. A expectativa de vida ao nascer alcançou 76,4 anos em 2023 e, segundo projeções do IBGE, deverá atingir 83,9 anos em 2070, ao passo que a taxa de fecundidade se mantém em queda contínua (IBGE, 2023). Esse movimento implica menos contribuintes ativos sustentando um número cada vez maior de beneficiários, ampliando o déficit atuarial e comprometendo a solvência de médio e longo prazo do sistema.
Outro elemento que merece destaque é o peso da previdência rural, responsável por parcela significativa do déficit anual. Além disso, segundo o IPEA (2023), em dezembro de 2022 havia aproximadamente 37,2 milhões de benefícios ativos no Brasil, entre aposentadorias, pensões e benefícios assistenciais, o que evidencia a magnitude do compromisso financeiro do Estado com a seguridade social.
Não se trata, contudo, apenas de um desequilíbrio fiscal. O déficit previdenciário também produz impactos sociais relevantes. A reforma da previdência de 2019, por exemplo, alterou critérios de acesso e de cálculo dos benefícios, afetando especialmente trabalhadores de baixa renda, com trajetórias contributivas descontínuas ou residentes em regiões economicamente mais frágeis (GIAMBIAGI; SCHYMURA, 2019). Nesse sentido, o déficit previdenciário precisa ser analisado não apenas em termos contábeis, mas também em relação à sua dimensão social e distributiva.
Estudos recentes reforçam que, caso nenhuma medida estrutural seja adotada, a tendência é de agravamento do quadro. Projeções da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FECOMERCIOSP, 2023) estimam que o déficit do sistema poderá ultrapassar R$ 800 bilhões até 2040, tornando-se insustentável sem novas reformas. Tal cenário sinaliza que a previdência social, embora essencial para a proteção dos trabalhadores e para a redução da pobreza entre idosos, enfrenta dilemas estruturais que exigem soluções urgentes.
Essa convergência de fatores — envelhecimento populacional, déficits expressivos, limitações de cobertura e impactos distributivos — configura a base para a problemática central deste artigo: compreender como o déficit previdenciário no Brasil se consolidou como um desafio estrutural de sustentabilidade fiscal e quais são seus impactos sobre a justiça social e o equilíbrio das contas públicas.
Com isso, surge a seguinte problemática de estudo: Quais fatores explicam a persistência do déficit previdenciário no Brasil e de que forma esse desequilíbrio compromete a sustentabilidade fiscal e a justiça social?
Logo, o objetivo geral deste trabalho é analisar os fatores que explicam a persistência do déficit previdenciário no Brasil, investigando de que forma esse desequilíbrio afeta a sustentabilidade fiscal do Estado e gera impactos sobre a justiça social. E os objetivos específicos são: (i) examinar a evolução histórica e atuarial do déficit previdenciário no Brasil, identificando seus determinantes estruturais em perspectiva demográfica e fiscal; (ii) avaliar os impactos econômicos e sociais do déficit previdenciário, com ênfase na sustentabilidade das contas públicas e na proteção social dos beneficiários e (iii) investigar os principais desafios e perspectivas de reforma previdenciária, discutindo alternativas para conciliar sustentabilidade fiscal e justiça social.
A escolha do déficit previdenciário como objeto de estudo justifica-se pela relevância que o tema ocupa tanto no debate acadêmico quanto na agenda pública brasileira. Os números recentes evidenciam que o desequilíbrio entre arrecadação e despesa no Regime Geral de Previdência Social (RGPS) e nos regimes próprios se tornou uma das principais pressões sobre as contas públicas, comprometendo a capacidade do Estado de financiar políticas sociais e investimentos estratégicos (TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, 2023). Tratase de um fenômeno que extrapola a dimensão contábil e fiscal, alcançando questões distributivas e de proteção social, uma vez que milhões de brasileiros dependem dos benefícios previdenciários como fonte primária de renda (IPEA, 2023).
Do ponto de vista acadêmico, a investigação contribui para aprofundar o entendimento sobre os fatores estruturais que explicam a persistência do déficit, dialogando com estudos recentes que apontam o envelhecimento populacional e a queda da taxa de fecundidade como determinantes centrais (IBGE, 2023). Além disso, soma-se ao debate crítico iniciado por autores como Giambiagi e Schwartsman (2021), que destacam a necessidade de reformas contínuas para assegurar a solvência do sistema diante das mudanças demográficas.
Sob a perspectiva social, a relevância do tema é ainda maior. O déficit previdenciário afeta diretamente a vida dos trabalhadores e aposentados, principalmente os de menor renda, que dependem da previdência como instrumento de proteção contra a pobreza na velhice (GIAMBIAGI; SCHYMURA, 2019). Reformas recentes, como a de 2019, alteraram parâmetros de acesso e valores dos benefícios, impactando fortemente grupos mais vulneráveis.
Por fim, do ponto de vista prático e político, a pesquisa se mostra atual e necessária, pois a sustentabilidade fiscal do sistema previdenciário é condição essencial para a estabilidade macroeconômica do país. Estimativas da Fecomercio-SP (2023) apontam que, sem novas reformas, o déficit previdenciário poderá ultrapassar R$ 800 bilhões até 2040, cenário que impõe ao Estado o desafio de conciliar responsabilidade fiscal com justiça social. Nesse sentido, este estudo pretende contribuir para o debate sobre caminhos que permitam equilibrar a sustentabilidade financeira da previdência com a manutenção de sua função social.
REFERENCIAL TEÓRICO
FINANÇAS PÚBLICAS, PREVIDÊNCIA SOCIAL E SUSTENTABILIDADE FISCAL
A previdência social constitui um dos pilares da seguridade, representando não apenas um mecanismo de proteção individual, mas também uma engrenagem central das finanças públicas. A Constituição de 1988 consolidou esse direito como parte da seguridade social, ao lado da saúde e da assistência, ampliando significativamente a cobertura do sistema. No entanto, como observa Arretche (2021), essa ampliação trouxe consigo um aumento estrutural dos gastos obrigatórios, que passou a redefinir o espaço fiscal disponível para as demais políticas públicas. Dessa forma, a previdência deixou de ser apenas um tema de política social para se tornar elemento determinante da sustentabilidade fiscal do Estado.
A literatura especializada aponta que o equilíbrio previdenciário depende do funcionamento adequado do sistema de repartição simples, no qual trabalhadores ativos financiam os benefícios dos inativos. Esse modelo, que historicamente sustentou a previdência em diferentes países, enfrenta limites evidentes em contextos de envelhecimento populacional e redução da taxa de fecundidade. Carvalho (2022) destaca que a transição demográfica em curso no Brasil ocorre em ritmo acelerado, gerando uma pressão que desafia a capacidade de financiamento do sistema. A combinação de menos contribuintes e mais beneficiários leva a déficits crescentes, que se refletem diretamente nas contas públicas.
Do ponto de vista macroeconômico, a previdência também influencia a estabilidade fiscal. Giambiagi e Schwartsman (2021) ressaltam que, em um cenário de elevada rigidez orçamentária, o crescimento das despesas previdenciárias reduz o espaço para investimentos em áreas estratégicas, como infraestrutura e educação, comprometendo o potencial de crescimento de longo prazo da economia. Essa rigidez cria um círculo vicioso: quanto maior o déficit, maior a necessidade de financiar a previdência via endividamento ou aumento de carga tributária, pressionando a economia e limitando alternativas de desenvolvimento.
A experiência internacional mostra que essa problemática não é exclusiva do Brasil. Barr e Diamond (2022), ao analisarem diferentes países, destacam que a sustentabilidade previdenciária exige reformas periódicas, adaptadas às mudanças demográficas e às condições de mercado de trabalho. Em países europeus, reformas sucessivas incluíram o aumento da idade mínima de aposentadoria, ajustes nas fórmulas de cálculo de benefícios e a diversificação de fontes de financiamento, medidas que buscaram garantir equilíbrio atuarial sem comprometer a função social do sistema. Esses exemplos reforçam que a previdência, além de um direito, deve ser constantemente ajustada para preservar sua viabilidade.
No caso brasileiro, contudo, o desafio é agravado pela rapidez da transição demográfica e pela elevada dependência da população em relação à previdência pública. Mendes e Souza (2020) argumentam que o gasto previdenciário no Brasil, ao mesmo tempo em que cumpre papel distributivo relevante, representa a maior parcela das despesas primárias da União, pressionando o orçamento e dificultando a gestão fiscal. A tensão entre função social e responsabilidade fiscal coloca em evidência o caráter paradoxal da previdência: ela é, simultaneamente, instrumento de redução da pobreza e fonte de desequilíbrio das contas públicas.
Portanto, compreender a previdência social a partir da ótica das finanças públicas significa reconhecer que o déficit previdenciário não é apenas um problema contábil, mas um fenômeno estrutural que conecta demografia, economia e política. O desafio brasileiro está em encontrar um equilíbrio que garanta a proteção dos trabalhadores e aposentados, ao mesmo tempo em que assegure a sustentabilidade fiscal necessária para a manutenção de um Estado capaz de investir e promover desenvolvimento econômico e social.
EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS E DESAFIOS ATUAIS DOS SISTEMAS PREVIDENCIÁRIOS
A discussão sobre a sustentabilidade previdenciária não é exclusiva do Brasil. Diversos países, em diferentes estágios de desenvolvimento, enfrentam o desafio de equilibrar sistemas de repartição diante do envelhecimento populacional e das transformações no mercado de trabalho. Segundo o Banco Mundial (2020), a elevação da expectativa de vida e a redução da taxa de fecundidade representam uma tendência global, pressionando sistemas previdenciários estruturados sob o princípio da solidariedade intergeracional.
Nos países da União Europeia, a pressão demográfica levou a uma série de reformas nas últimas décadas. Na Alemanha, por exemplo, a introdução de ajustes automáticos vinculados à expectativa de vida buscou garantir equilíbrio atuarial sem comprometer a proteção social (OECD, 2021). Na França, reformas sucessivas elevaram a idade mínima para aposentadoria e ampliaram o período de contribuição exigido, gerando intensos debates sociais, mas refletindo a necessidade de adaptação às novas realidades demográficas (THOMSON, 2022). Esses casos mostram que, ainda que em contextos distintos, há um denominador comum: a necessidade de revisar periodicamente as regras para preservar a viabilidade dos sistemas.
Nos países nórdicos, por sua vez, reformas implementadas desde os anos 1990 introduziram modelos de contas nocionais, como na Suécia, que combinam solidariedade intergeracional com princípios atuariais de capitalização virtual (PALME; SONNENSCHEIN, 2020). Esse arranjo busca alinhar contribuições e benefícios de forma mais transparente, fortalecendo a confiança social no sistema. A experiência nórdica mostra que é possível inovar institucionalmente, preservando ao mesmo tempo os princípios de universalidade e sustentabilidade.
Em economias emergentes, os desafios se revelam ainda maiores. No México e no Chile, por exemplo, as reformas que migraram para sistemas de capitalização individual geraram efeitos ambíguos. Embora tenham reduzido o passivo atuarial do Estado, também resultaram em benefícios médios inferiores, aumentando a vulnerabilidade de grupos de baixa renda e ampliando a desigualdade entre trabalhadores formais e informais (RIESCO, 2021). Essas experiências demonstram que modelos puramente capitalizados não garantem, por si só, justiça social nem segurança financeira para os aposentados.
No plano comparado, Stiglitz (2023) argumenta que o desafio contemporâneo dos sistemas previdenciários é duplo: de um lado, garantir sustentabilidade fiscal em sociedades que envelhecem; de outro, preservar a função social da previdência como mecanismo de coesão social e redução de desigualdades. Para o autor, reformas que se limitam ao ajuste fiscal, sem considerar o impacto distributivo, tendem a fragilizar a legitimidade do sistema e a gerar tensões políticas.
Assim, a análise das experiências internacionais revela que não existe modelo único ou solução definitiva para os dilemas previdenciários. O que se observa é uma convergência em torno da necessidade de reformas contínuas, capazes de ajustar parâmetros de elegibilidade, fórmulas de cálculo e mecanismos de financiamento, ao mesmo tempo em que preservam a confiança da sociedade na previdência como política pública essencial. Para o Brasil, essas experiências oferecem lições valiosas: a importância de equilíbrio entre sustentabilidade atuarial e justiça social, a necessidade de transparência nos ajustes e a urgência de estratégias que considerem tanto a transição demográfica quanto as especificidades do mercado de trabalho nacional.
DÉFICIT PREVIDENCIÁRIO NO BRASIL: ESTRUTURA, REFORMAS E IMPACTOS SOCIAIS
O déficit previdenciário brasileiro é um dos temas mais recorrentes do debate fiscal contemporâneo. Ao longo das últimas décadas, a previdência passou de instrumento central de proteção social para uma das maiores pressões sobre as contas públicas. O Tribunal de Contas da União (2023) mostra que, somente em 2022, o Regime Geral de Previdência Social (RGPS) apresentou déficit superior a R$ 270 bilhões, valor que representou mais de dois terços do déficit previdenciário da União. Esse cenário reflete a incapacidade
estrutural do sistema de equilibrar receitas e despesas em um contexto de rápida transição demográfica.
A questão demográfica é central para compreender a expansão do déficit. Segundo projeções do IBGE (2023), a expectativa de vida ao nascer deve alcançar 83,9 anos em 2070, ao mesmo tempo em que a taxa de fecundidade se mantém abaixo do nível de reposição populacional. Essa combinação altera a razão de dependência entre contribuintes e beneficiários, ampliando o passivo atuarial da previdência. Como destacam Caetano e Miranda (2020), o envelhecimento populacional no Brasil ocorre em ritmo mais acelerado do que em países desenvolvidos, o que reduz o tempo disponível para implementar reformas graduais e sustentáveis.
As tentativas de equacionar o desequilíbrio culminaram em reformas sucessivas, sendo a mais recente a de 2019. A Emenda Constitucional nº 103/2019 introduziu mudanças estruturais, como a fixação de idade mínima para aposentadoria, alterações nas fórmulas de cálculo e maior rigor nas regras de transição. Giambiagi e Schwartsman (2021) ressaltam que tais medidas foram necessárias para conter a trajetória explosiva dos gastos previdenciários, mas insuficientes para eliminar os déficits de longo prazo, especialmente nos regimes próprios da União, estados e municípios.
Outro elemento que amplia a complexidade do déficit previdenciário brasileiro é a elevada participação da previdência rural, que, de acordo com o IPEA (2023), responde por parcela significativa do desequilíbrio anual. Embora cumpra uma função social relevante ao garantir renda mínima a milhões de trabalhadores do campo, o financiamento predominantemente subsidiado desse regime acentua a disparidade entre contribuições arrecadadas e benefícios pagos.
Do ponto de vista social, os efeitos do déficit previdenciário vão além das contas públicas. Pesquisas indicam que a previdência constitui a principal fonte de renda para a maioria dos idosos brasileiros, reduzindo significativamente os índices de pobreza nessa faixa etária (NERY; SOARES, 2021). No entanto, reformas que restringem o acesso ou reduzem o valor dos benefícios tendem a afetar de forma mais intensa trabalhadores de baixa renda, com carreiras contributivas interrompidas ou marcadas pela informalidade. Esse paradoxo evidencia o dilema enfrentado pelo Brasil: equilibrar a sustentabilidade fiscal sem fragilizar a função distributiva da previdência.
Em síntese, o déficit previdenciário no Brasil decorre de uma combinação de fatores estruturais — transição demográfica acelerada, regras de financiamento desequilibradas, rigidez orçamentária e baixa formalização no mercado de trabalho. As reformas recentes representaram avanços, mas ainda não resolveram os dilemas fundamentais do sistema. O desafio que se impõe é duplo: assegurar que a previdência continue sendo um pilar de proteção social e, ao mesmo tempo, tornar sua trajetória financeira compatível com a estabilidade macroeconômica e a sustentabilidade das contas públicas.
METODOLOGIA
Este estudo adota uma abordagem qualitativa, de caráter descritivo e exploratório, fundamentada em pesquisa bibliográfica e documental. A escolha desse desenho metodológico deve-se à natureza do objeto de investigação, que envolve a análise do déficit previdenciário no Brasil, fenômeno complexo e multifacetado, cuja compreensão exige o diálogo com diferentes perspectivas teóricas e evidências empíricas já consolidadas.
A pesquisa bibliográfica foi desenvolvida a partir da consulta a bases acadêmicas reconhecidas — como Scopus, Web of Science, SciELO e Google
Scholar — e a relatórios institucionais de órgãos oficiais, tais como o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), o Tribunal de Contas da União (TCU) e a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Para garantir atualidade e pertinência, priorizaram-se estudos publicados no período de 2019 a 2024, sem desconsiderar obras clássicas relevantes que oferecem fundamentos conceituais ao tema.
O processo de seleção das fontes seguiu critérios de relevância e consistência metodológica. Inicialmente, realizou-se uma triagem exploratória por meio de palavras-chave como déficit previdenciário, sustentabilidade fiscal, transição demográfica e reforma da previdência. Em seguida, procedeu-se à leitura crítica dos textos, identificando contribuições centrais, fundamentos teóricos, dados empíricos e lacunas analíticas. Esse procedimento permitiu compor um corpus bibliográfico que sustenta a análise, articulando tanto a dimensão histórica e demográfica da previdência quanto os impactos fiscais e sociais do déficit.
Além da literatura acadêmica, documentos oficiais foram empregados para a análise comparativa entre a evolução dos indicadores previdenciários e as políticas de reforma. Relatórios anuais do TCU, estudos do IPEA e projeções do IBGE serviram como base para contextualizar numericamente o fenômeno, enquanto pesquisas de autores nacionais e internacionais ofereceram interpretações sobre seus determinantes e consequências.
A análise dos resultados seguiu a técnica de análise de conteúdo temática, conforme proposta por Bardin (2016), adaptada ao campo econômico e fiscal. Essa técnica possibilitou organizar as informações em três eixos centrais: (i) evolução histórica e atuarial do déficit; (ii) impactos econômicos e sociais sobre sustentabilidade fiscal e proteção social; e (iii) desafios e perspectivas de reforma previdenciária. Essa estruturação garantiu a coerência entre os objetivos específicos do estudo e os achados da literatura.
A opção por esse percurso metodológico justifica-se porque o déficit previdenciário, por sua complexidade, não pode ser analisado de forma isolada por meio de dados quantitativos. A pesquisa qualitativa e bibliográfica permitiu integrar diferentes perspectivas, identificar consensos e controvérsias e, sobretudo, compreender o fenômeno como resultado da interação entre variáveis demográficas, fiscais e sociais. Assim, o estudo contribui para o aprofundamento do debate acadêmico e para a formulação de políticas públicas mais consistentes.
ANÁLISE DOS RESULTADOS
A análise dos resultados foi organizada em três eixos temáticos, conforme definido na metodologia: (i) evolução histórica e atuarial do déficit previdenciário, (ii) impactos econômicos e sociais, e (iii) desafios e perspectivas de reforma. Essa estrutura permite conectar as dimensões fiscal, demográfica e distributiva, oferecendo uma compreensão mais ampla sobre os dilemas enfrentados pelo sistema previdenciário brasileiro.
EVOLUÇÃO HISTÓRICA E ATUARIAL DO DÉFICIT PREVIDENCIÁRIO
A trajetória do déficit previdenciário brasileiro reflete a combinação de fatores demográficos, institucionais e econômicos. Segundo o Tribunal de Contas da União (2023), o RGPS acumulou um déficit superior a R$ 270 bilhões em 2022, valor que representou mais de dois terços do desequilíbrio da União. Esse cenário não é episódico, mas estrutural: como argumentam Caetano e Miranda (2020), o envelhecimento populacional acelerado e a queda da taxa de fecundidade reduzem progressivamente a base contributiva, ampliando o passivo atuarial do sistema.
O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA, 2023) reforça essa avaliação ao demonstrar que, em 2022, havia cerca de 37,2 milhões de benefícios ativos, número crescente em comparação às duas décadas anteriores. A elevada cobertura e a rigidez das regras de elegibilidade historicamente ampliaram o gasto previdenciário, ao passo que a arrecadação não acompanhou esse ritmo. Essa discrepância estrutural confirma que o déficit previdenciário brasileiro não é resultado de conjunturas econômicas específicas, mas de um descompasso persistente entre receitas e despesas.
IMPACTOS ECONÔMICOS E SOCIAIS
Do ponto de vista fiscal, o déficit previdenciário limita a capacidade de investimento público e compromete a sustentabilidade da dívida. Segundo Rezende (2021), a rigidez das despesas obrigatórias, sobretudo previdenciárias, reduz o espaço para políticas públicas essenciais e investimentos em infraestrutura, criando um efeito de “crowding out” dentro do orçamento federal. Essa condição gera um dilema permanente: priorizar o financiamento da previdência em detrimento de áreas que poderiam estimular crescimento econômico de longo prazo.
No plano social, entretanto, a previdência desempenha papel crucial na redução da pobreza. Nery e Soares (2021) demonstram que os benefícios previdenciários são a principal fonte de renda para a maioria dos idosos no Brasil, contribuindo decisivamente para a queda dos índices de pobreza nessa faixa etária. Essa função redistributiva, no entanto, é acompanhada de desigualdades: trabalhadores formais têm acesso a benefícios mais estáveis e previsíveis, enquanto trabalhadores informais enfrentam maior risco de exclusão, fenômeno que reforça desigualdades regionais e de classe (Lavinas, 2017).
A literatura também aponta para impactos indiretos sobre a legitimidade das políticas públicas. Conforme Paim (2020), a percepção de desequilíbrio fiscal associada à previdência contribui para o descrédito social em relação ao Estado, especialmente quando reformas são acompanhadas de narrativas que responsabilizam os beneficiários pelo desequilíbrio. Esse aspecto evidencia que a discussão previdenciária é simultaneamente técnica e política, com reflexos diretos na confiança social.
DESAFIOS E PERSPECTIVAS DE REFORMA PREVIDENCIÁRIA
As reformas previdenciárias implementadas até o momento buscaram conter o crescimento acelerado dos gastos. A Emenda Constitucional nº 103/2019 introduziu a idade mínima para aposentadoria e modificou regras de cálculo, sendo considerada por Giambiagi e Schwartsman (2021) uma medida indispensável para reduzir a trajetória explosiva do déficit. Contudo, análises mais recentes sugerem que os efeitos da reforma, embora positivos, não serão suficientes para assegurar equilíbrio de longo prazo.
Estudos da OCDE (2021) e da CEPAL (2022) mostram que países com transições demográficas semelhantes precisaram adotar reformas contínuas, com ajustes periódicos na idade mínima, nos parâmetros de contribuição e nos mecanismos de financiamento. No Brasil, além dessas medidas, ganha força o debate sobre a integração entre previdência e assistência, a transparência nas renúncias previdenciárias e a ampliação da formalização no mercado de trabalho como estratégias complementares para equilibrar receitas e despesas (Medeiros; Souza, 2022).
Outro ponto destacado por Fecomercio-SP (2023) é a projeção de que, sem novos ajustes, o déficit poderá ultrapassar R$ 800 bilhões até 2040. Tal perspectiva reforça que a sustentabilidade previdenciária não pode depender de reformas pontuais e isoladas, mas de um processo contínuo de adaptação às mudanças sociais e econômicas. Nesse sentido, Stiglitz (2023) adverte que sistemas previdenciários só preservam legitimidade se conseguirem equilibrar justiça social e responsabilidade fiscal, evitando que ajustes fiscais comprometam a função redistributiva.
A síntese das evidências apresentadas nos itens anteriores demonstra que o déficit previdenciário brasileiro resulta de múltiplos fatores: pressões demográficas, rigidez institucional, impactos distributivos e limitações fiscais. Para reforçar essa análise, elaborou-se a Tabela 1, que reúne estudos nacionais e internacionais publicados entre 2017 e 2023, selecionados com base na relevância para o debate sobre sustentabilidade previdenciária. A tabela sistematiza o conceito central de cada autor, seus fundamentos principais e as contribuições oferecidas à literatura, permitindo visualizar de forma comparativa os diferentes enfoques do tema. Esse exercício de síntese contribui para evidenciar consensos, controvérsias e lacunas ainda existentes na literatura, ao mesmo tempo em que reforça a importância de conectar a dimensão fiscal com a função social da previdência.
Tabela 1 - Estudos anteriores de autores nacionais e internacionais
Autor(es) | Conceito central | Fundamentos principais | Contribuições à literatura |
Lavinas (2017) | Previdência e desigualdade social | A previdência como instrumento de redistribuição de renda, mas com limitações diante da informalidade | Destaca que ajustes fiscais podem ampliar vulnerabilidades sociais se não houver mecanismos de proteção adequados |
Caetano e Miranda (2020) | Demografia e previdência | Impactos da transição demográfica acelerada sobre o equilíbrio atuarial | Mostram que o Brasil tem menos tempo para ajustes graduais do que países desenvolvidos |
Paim (2020) | Previdência e legitimidade social | Relação entre crise fiscal, políticas sociais e percepção pública | Enfatiza que narrativas de desequilíbrio afetam a confiança da sociedade nas instituições |
Rezende (2021) | Déficit fiscal e rigidez orçamentária | Previdência como principal componente das despesas obrigatórias | Aponta que o déficit previdenciário limita o espaço fiscal para investimentos estratégicos |
Nery e Soares (2021) | Previdência e pobreza entre idosos | Análise do papel dos benefícios previdenciários na redução da pobreza | Demonstra que a previdência é a principal fonte de renda dos idosos, reduzindo desigualdades |
Giambiagi e Schwartsman (2021) | Sustentabilidade fiscal | Necessidade de reformas permanentes para conter expansão dos gastos previdenciários | Argumentam que a reforma de 2019 foi necessária, mas insuficiente para resolver os déficits de longo prazo |
OCDE (2021) | Reformas internacionais | Comparação entre países da OCDE e emergentes quanto à sustentabilidade previdenciária | Defende reformas periódicas com ajustes de idade mínima e fórmulas de cálculo |
CEPAL (2022) | Previdência na América Latina | Análise das desigualdades e desafios de sistemas previdenciários em economias emergentes | Mostra que ajustes apenas fiscais podem fragilizar a proteção social |
IPEA (2023) | Beneficiômetro previdenciário | Monitoramento de benefícios ativos e impacto sobre o orçamento | Fornece dados empíricos para avaliação da trajetória do déficit |
TCU (2023) | Contas do governo | Relatório sobre resultado | Evidencia déficit superior a R$ 270 |
Autor(es) | Conceito central | Fundamentos principais | Contribuições à literatura |
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| previdenciário no Brasil | bilhões no RGPS em 2022 |
Fecomercio-SP (2023) | Projeções de déficit futuro | Estimativas para 2040 caso não haja novas reformas | Aponta possibilidade de déficit ultrapassar R$ 800 bilhões |
Stiglitz (2023) | Previdência e legitimidade social | Sustentabilidade fiscal e justiça social como desafios simultâneos | Argumenta que reformas precisam equilibrar ajustes fiscais com coesão social |
Fonte: Própria autoria, 2025.
A síntese apresentada na Tabela 1 evidencia que a literatura recente, nacional e internacional, converge em torno da compreensão de que o déficit previdenciário brasileiro é um fenômeno estrutural, e não meramente conjuntural. Os estudos analisados demonstram que o desequilíbrio entre receitas e despesas decorre de fatores como o envelhecimento populacional acelerado, a rigidez das regras de financiamento e a insuficiência das reformas até agora implementadas. Ao mesmo tempo, a literatura destaca o papel central da previdência na redução da pobreza entre idosos e na garantia de um mínimo de proteção social, revelando que qualquer tentativa de ajuste fiscal precisa ser acompanhada de mecanismos que preservem sua função distributiva.
A diversidade de enfoques também mostra que a questão previdenciária envolve tanto dimensões técnicas — relacionadas ao equilíbrio atuarial e fiscal — quanto dimensões sociais e políticas, ligadas à legitimidade do sistema e à confiança da população em sua continuidade. Essa perspectiva reforça os achados discutidos nos itens anteriores e sugere que o enfrentamento do déficit previdenciário requer reformas contínuas, sustentadas em princípios de transparência, justiça intergeracional e responsabilidade fiscal. Portanto, a Tabela 1 não apenas organiza contribuições relevantes da literatura, mas também consolida a compreensão de que a sustentabilidade da previdência no Brasil dependerá da capacidade do Estado de equilibrar eficiência econômica com proteção social, criando as condições para reformas que sejam ao mesmo tempo fiscalmente responsáveis e socialmente justas.
CONCLUSÃO
O presente artigo analisou os determinantes do déficit previdenciário no Brasil e suas implicações para a sustentabilidade fiscal e a justiça social. A questão central que orientou a pesquisa foi: quais fatores explicam a persistência do déficit previdenciário no Brasil e de que forma esse desequilíbrio compromete a sustentabilidade fiscal e a justiça social? Para responder a essa problemática, buscou-se examinar a evolução histórica e atuarial do déficit, avaliar seus impactos econômicos e sociais e investigar os principais desafios e perspectivas de reforma.
O objetivo geral do estudo foi atingido ao demonstrar que o déficit previdenciário brasileiro não é resultado de fatores conjunturais isolados, mas de um conjunto de elementos estruturais. Entre eles, destacam-se a transição demográfica acelerada, caracterizada pelo envelhecimento da população e pela queda das taxas de fecundidade; a rigidez orçamentária imposta pelo peso crescente das despesas obrigatórias; e a insuficiência das reformas implementadas até aqui para eliminar o desequilíbrio de longo prazo.
Em relação aos objetivos específicos, verificou-se que: (i) a evolução histórica e atuarial confirma o caráter estrutural do déficit, associado ao aumento expressivo do número de benefícios ativos e à redução da base contributiva; (ii) os impactos econômicos e sociais são amplos, limitando a capacidade do Estado de investir em áreas estratégicas e, ao mesmo tempo, constituindo a previdência a principal fonte de renda para milhões de idosos, fator decisivo para a redução da pobreza nessa faixa etária; e (iii) as reformas recentes, em especial a Emenda Constitucional nº 103/2019, representaram avanços importantes, mas ainda insuficientes, exigindo novos ajustes paramétricos, maior transparência nas renúncias previdenciárias e políticas que incentivem a formalização do trabalho e o equilíbrio intergeracional.
Do ponto de vista acadêmico, o estudo contribui ao reunir e sistematizar produções recentes de autores nacionais e internacionais entre 2019 e 2023, além de incluir obras de base que permanecem centrais no debate. Essa sistematização permitiu identificar consensos — como a necessidade de reformas contínuas e a importância de alinhar sustentabilidade fiscal à função social da previdência — e também controvérsias, sobretudo quanto aos impactos distributivos das reformas. Do ponto de vista social, a pesquisa reforça que qualquer ajuste fiscal deve considerar os efeitos sobre os grupos mais vulneráveis, evitando que reformas aprofundem desigualdades já existentes.
É importante reconhecer, entretanto, as limitações do estudo. Por se tratar de pesquisa bibliográfica, a análise dependeu da disponibilidade e da qualidade dos trabalhos consultados, não incluindo avaliação econométrica ou empírica própria sobre a evolução dos indicadores. Essa limitação, contudo, abre espaço para futuras investigações que possam mensurar com maior precisão os efeitos redistributivos das reformas recentes, bem como simular cenários alternativos de financiamento previdenciário.
Conclui-se, portanto, que o déficit previdenciário no Brasil permanece como um dos principais desafios estruturais para o equilíbrio fiscal e para a coesão social. A superação desse dilema exigirá não apenas ajustes paramétricos, mas também uma mudança estrutural na forma como a previdência é financiada, gerida e articulada com outras políticas sociais. O futuro da previdência brasileira dependerá da capacidade do país de conciliar responsabilidade fiscal e proteção social, garantindo que o sistema continue a cumprir sua função distributiva sem comprometer a estabilidade macroeconômica e o desenvolvimento sustentável.
DOI: 10.54033/cadpedv22n11-305
Originals received: 8/25/2025
Acceptance for publication: 9/19/2025
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