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O IMPACTO DA INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL NA EFICIÊNCIA DA FISCALIZAÇÃODE GASTOS PÚBLICOS: EVIDÊNCIAS A PARTIR DE MUNICÍPIOS PERNAMBUCANOS

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RESUMO

A transformação digital tem impulsionado mudanças significativas nos mecanismos de controle e fiscalização da gestão pública, especialmente no nível municipal. Nesse contexto, a inteligência artificial (IA) desponta como ferramenta estratégica para ampliar a eficiência, a tempestividade e a precisão dos processos fiscalizatórios. O presente estudo tem como objetivo geral analisar o impacto da IA na eficiência da fiscalização de gastos públicos em municípios pernambucanos, considerando quatro dimensões principais: eficiência operacional, detecção de irregularidades, abrangência fiscalizatória e resposta institucional. A metodologia adotada caracteriza-se como pesquisa aplicada, de abordagem mista. Foram utilizados: (i) método de estudo de casos múltiplos; (ii) dados secundários provenientes de bases fiscais, orçamentárias e de controle externo; (iii) dados primários obtidos por entrevistas semiestruturadas com auditores, gestores e técnicos municipais; e (iv) procedimentos de análise quantitativa (estatística descritiva) e qualitativa (análise de conteúdo temática). Os resultados indicam que os municípios que adotaram IA apresentaram reduções expressivas no tempo médio de tramitação de auditorias, aumento no número de achados relevantes, ampliação da cobertura fiscalizatória e maior tempestividade nas respostas institucionais. Além disso, foram observadas mudanças organizacionais associadas à padronização de rotinas, à integração de dados e à tomada de decisão baseada em alertas automatizados. Conclui-se que a IA atua como vetor de fortalecimento da accountability fiscal, contribuindo para maior eficiência, transparência e capacidade institucional dos órgãos de controle municipal.

Palavras-chave: Accountability; Fiscalização de Gastos Públicos; Governança Pública; Inteligência Artificial; Municípios Pernambucanos.

 

ABSTRACT

Digital transformation has significantly changed control and oversight mechanisms in public administration, especially at the municipal level. In this context, artificial intelligence (AI) has emerged as a strategic tool to enhance efficiency, timeliness, and accuracy in fiscal oversight processes. This study aims to analyze the impact of AI on the efficiency of public expenditure oversight in municipalities of Pernambuco, Brazil, focusing on four main dimensions: operational efficiency, detection of irregularities, audit coverage, and institutional responsiveness. The methodology is characterized as applied research with a mixed-methods approach. It involved: (i) a multiple case study design; (ii) secondary data collected from fiscal, budgetary, and external control databases; (iii) primary data obtained through semi-structured interviews with auditors, managers, and municipal technicians; and (iv) quantitative analysis (descriptive statistics) combined with qualitative analysis (thematic content analysis). The results indicate that municipalities adopting AI achieved significant reductions in average audit processing time, an increase in the number of relevant findings, expanded audit coverage, and greater responsiveness to detected irregularities. In addition, organizational changes related to standardized procedures, data integration, and data-driven decision-making were observed. It is concluded that AI acts as a driver for strengthening fiscal accountability, contributing to greater efficiency, transparency, and institutional capacity in local oversight bodies.

 

Keywords: Accountability; Artificial Intelligence; Pernambuco Municipalities; Public Expenditure Oversight; Public Governance.

 

INTRODUÇÃO

A transformação digital vem provocando uma verdadeira mudança de paradigma na forma como os governos planejam, executam e fiscalizam os recursos públicos. A pressão por mais transparência, eficiência e agilidade nas decisões tem levado as administrações municipais a buscarem soluções tecnológicas capazes de superar gargalos históricos relacionados à lentidão dos processos, à fragmentação das informações e à baixa capacidade de resposta diante de irregularidades. Nesse cenário, a inteligência artificial (IA) emerge não apenas como uma inovação tecnológica, mas como um instrumento estratégico para repensar práticas institucionais e ampliar a efetividade das ações de controle.


O problema central que orienta este estudo parte de uma constatação concreta: embora a adoção de tecnologias digitais esteja avançando em diversos setores, a fiscalização dos gastos públicos nos municípios brasileiros ainda apresenta defasagens significativas, refletidas em morosidade, baixa cobertura fiscalizatória e fragilidade na detecção precoce de irregularidades. Essas limitações comprometem não apenas a capacidade de controle, mas também a confiança da sociedade nas instituições públicas e no uso eficiente dos recursos orçamentários.

A justificativa para este trabalho está ancorada na relevância prática e científica do tema. No plano prático, compreender os efeitos da IA na fiscalização pública contribui diretamente para aprimorar a gestão municipal, reduzindo tempos de auditoria, ampliando a capacidade de análise e permitindo respostas mais tempestivas. No plano científico, a pesquisa oferece evidências empíricas sobre um campo ainda em consolidação no Brasil: a aplicação da inteligência artificial como vetor de fortalecimento institucional e de accountability fiscal no nível local.

O objetivo geral do estudo é analisar o impacto da inteligência artificial na eficiência da fiscalização de gastos públicos em municípios pernambucanos. Para alcançar essa meta, o trabalho se desdobra em quatro objetivos específicos: (i) mapear tecnologias de IA aplicadas ou disponíveis para uso em processos de fiscalização municipal; (ii) identificar desafios e oportunidades associados à sua adoção; (iii) mensurar variações em indicadores de eficiência fiscalizatória; e (iv) analisar percepções institucionais de auditores e gestores sobre seus efeitos.

O estudo apoia-se em dois marcos estruturantes: o marco conceitual, que trata de governança pública, accountability e inovação tecnológica como elementos de transformação institucional; e o marco metodológico, baseado em uma abordagem mista que combina dados quantitativos e qualitativos, permitindo compreender tanto os impactos objetivos quanto as percepções dos atores envolvidos.

Por fim, a organização da pesquisa segue um percurso lógico e integrado. Após esta introdução, apresenta-se o referencial teórico, que contextualiza a discussão sobre governança, fiscalização e uso de IA no setor público. Em seguida, a seção de metodologia descreve detalhadamente os procedimentos, instrumentos e dados utilizados. A quarta seção reúne e discute os resultados obtidos, com base em análises quantitativas e qualitativas. A última seção apresenta as considerações finais, sintetizando os principais achados, apontando limitações do estudo e sugerindo caminhos para futuras pesquisas e ações estratégicas na área de controle público.


GOVERNANÇA PÚBLICA, EFICIÊNCIA E ACCOUNTABILITY FISCAL


A governança pública constitui um dos pilares centrais para o fortalecimento das instituições democráticas e para a consolidação de políticas públicas eficazes. Em um cenário de crescente complexidade social e econômica, a capacidade dos governos de gerenciar recursos públicos de forma eficiente e transparente tornou-se uma exigência estrutural das sociedades contemporâneas (PETERS; PIERRE, 2023). A boa governança vai além do cumprimento formal de normas: envolve a articulação de mecanismos de coordenação, controle e responsabilização que assegurem a legitimidade das ações governamentais e a adequada prestação de contas à sociedade (ANSELL; TORFING, 2021).

No contexto brasileiro, a noção de governança pública tem sido associada diretamente à busca por maior eficiência no uso dos recursos públicos e ao fortalecimento da accountability fiscal. A eficiência, nesse sentido, refere-se à capacidade de produzir resultados públicos com o melhor uso possível dos meios disponíveis, evitando desperdícios e promovendo maior impacto social das políticas públicas (MENDONÇA; ROCHA, 2023). Essa lógica alinha-se às recomendações internacionais de organismos como a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OECD, 2023), que enfatiza que a governança moderna deve ser orientada por evidências, centrada em resultados e suportada por tecnologias emergentes que ampliem a capacidade analítica dos governos.

A accountability fiscal, por sua vez, representa um eixo normativo e prático fundamental no campo da governança pública. Envolve a obrigação dos gestores públicos de prestar contas, justificar decisões e assumir responsabilidades perante os cidadãos e instituições de controle (BOVENS, 2022). Em sociedades democráticas, a accountability é compreendida como um processo contínuo de transparência, controle e resposta institucional. Quando articulada com sistemas de governança robustos, ela potencializa a confiança pública, fortalece o combate à corrupção e aumenta a legitimidade dos processos decisórios (HEALD; HOOD, 2023).

Nesse contexto, a eficiência fiscalizatória emerge como uma dimensão prática da governança e da accountability. A capacidade de detectar irregularidades de forma ágil e confiável é crucial para garantir o uso adequado dos recursos públicos. Segundo Costa e Lima (2023), a eficiência dos mecanismos de fiscalização influencia diretamente a efetividade das políticas públicas, uma vez que reduz riscos de desperdício e amplia a credibilidade institucional. Países que conseguem aliar governança sólida, accountability efetiva e instrumentos tecnológicos tendem a apresentar níveis mais elevados de transparência e desempenho institucional (OECD, 2023).

As novas tendências internacionais apontam que a governança pública contemporânea deve ser inovadora, responsiva e baseada em dados. A Organização das Nações Unidas (UN DESA, 2024) destaca que o uso inteligente da informação pública, aliado a tecnologias emergentes, é determinante para melhorar a capacidade de monitoramento dos gastos, promover a justiça fiscal e aprimorar a resposta dos governos a demandas sociais complexas. Essa visão desloca o eixo da governança tradicional — marcada por processos lentos e verticalizados — para modelos mais dinâmicos, participativos e tecnológicos.

No Brasil, essa agenda ainda enfrenta desafios estruturais significativos, especialmente no nível subnacional. Municípios de pequeno e médio porte frequentemente apresentam limitações de pessoal, de infraestrutura tecnológica e de capacidade institucional para operacionalizar mecanismos robustos de governança e controle fiscal (CARVALHO; MENEZES, 2023). Por isso, o fortalecimento da governança pública local exige não apenas reformas normativas, mas também a incorporação de instrumentos inovadores que potencializem a eficiência e a accountability — criando condições reais para o uso mais inteligente dos recursos públicos e o fortalecimento das instituições democráticas.


FISCALIZAÇÃO DE GASTOS PÚBLICOS E DESAFIOS INSTITUCIONAIS NO CONTEXTO BRASILEIRO


A fiscalização dos gastos públicos constitui um dos elementos centrais para a consolidação de sistemas democráticos sólidos e financeiramente responsáveis. No Brasil, esse processo está ancorado em uma complexa rede de instituições de controle que envolve órgãos de controle externo, como os tribunais de contas, e controle interno, como as controladorias municipais e estaduais, além da participação da sociedade civil por meio de mecanismos de controle social (SANTOS; COSTA, 2024). A articulação entre essas instâncias é essencial para garantir que os recursos públicos sejam aplicados de forma eficiente, transparente e conforme os princípios constitucionais que regem a administração pública.

A estrutura institucional brasileira apresenta características peculiares. O modelo federativo descentralizado atribui aos municípios responsabilidades crescentes na execução de políticas públicas em áreas sensíveis, como saúde, educação, assistência social e infraestrutura local. Entretanto, essa descentralização não foi acompanhada, em muitos casos, do fortalecimento proporcional das capacidades de controle e fiscalização (CARVALHO; MENEZES, 2023). Isso significa que, apesar de administrarem volumes significativos de recursos orçamentários, muitos municípios — especialmente os de pequeno e médio porte — enfrentam severas limitações técnicas, orçamentárias e humanas para exercer plenamente suas funções de controle.

O papel dos tribunais de contas tem sido particularmente relevante nesse cenário. Instituições como o Tribunal de Contas da União e o Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco operam como instâncias fiscalizadoras responsáveis por examinar a legalidade, legitimidade, economicidade e eficiência dos gastos públicos. Contudo, o volume de processos, a dispersão territorial e a complexidade das operações financeiras municipais tornam a fiscalização tradicional, baseada em auditorias manuais e revisões ex post, frequentemente lenta, fragmentada e pouco preventiva (BARRETO; ALMEIDA, 2023).

Além disso, a assimetria informacional entre os órgãos de controle e os entes municipais compromete a efetividade da fiscalização. Muitas vezes, irregularidades e inconformidades orçamentárias só são identificadas após o término do exercício financeiro, quando a recuperação dos recursos desviados ou mal aplicados se torna mais difícil (RIBEIRO, 2023). Esse descompasso temporal reduz a capacidade sancionatória e o poder dissuasório das instituições fiscalizadoras, perpetuando um ciclo de ineficiência e, em alguns casos, de corrupção.

A literatura especializada destaca que a fragilidade dos mecanismos locais de controle interno também contribui para esse quadro. Em diversos municípios brasileiros, as controladorias internas possuem estrutura incipiente, baixo grau de autonomia e recursos limitados para o desenvolvimento de rotinas robustas de monitoramento e auditoria (SOUZA; FONSECA, 2023). Como resultado, muitos entes dependem quase integralmente da ação dos tribunais de contas estaduais para identificar e corrigir desvios, o que reforça a sobrecarga institucional desses órgãos e amplia a lacuna entre ocorrência e correção de irregularidades.

Outro desafio significativo é a carência de ferramentas tecnológicas que possam apoiar as equipes de auditoria. Embora exista um arcabouço legal relativamente consolidado — incluindo a Lei de Responsabilidade Fiscal e a Lei nº 14.133/2021 —, a prática cotidiana da fiscalização ainda é marcada, em muitos municípios, por processos analógicos, baixa integração de dados e dificuldade de análise em tempo real (SANTOS, 2024). Isso contrasta com experiências internacionais mais avançadas, nas quais tecnologias digitais são utilizadas para detecção precoce de inconsistências, prevenção de fraudes e acompanhamento contínuo das despesas públicas (OECD, 2023; UN DESA, 2024).

Dessa forma, os desafios institucionais brasileiros na fiscalização de gastos públicos não decorrem apenas de fragilidades normativas, mas também de limitações operacionais, informacionais e tecnológicas. Superá-los exige a articulação de esforços interinstitucionais, investimentos em capacitação técnica e a adoção de instrumentos inovadores que ampliem a eficiência e tempestividade das ações fiscalizatórias. Nesse sentido, a incorporação de tecnologias baseadas em Inteligência Artificial surge como uma oportunidade estratégica para modernizar o controle público, reduzir gargalos estruturais e potencializar o alcance das instituições de fiscalização — especialmente no nível municipal.


INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL APLICADA AO CONTROLE EXTERNO E À FISCALIZAÇÃO DE GASTOS


O avanço da Inteligência Artificial (IA) representa uma das mudanças mais significativas no campo da gestão pública contemporânea. Inicialmente difundida em setores industriais e de serviços privados, a IA passou, nos últimos anos, a ocupar espaço central nas agendas de modernização administrativa e fortalecimento institucional no setor público (OECD, 2023). Ferramentas de machine learning, processamento de linguagem natural (PLN), mineração de dados e algoritmos preditivos vêm sendo incorporadas por governos e órgãos de controle para melhorar a capacidade de análise, ampliar a eficiência fiscalizatória e reduzir gargalos operacionais (UN DESA, 2024).

Na área de controle externo e fiscalização de gastos públicos, a aplicação de IA oferece três ganhos principais: (i) agilidade na análise de grandes volumes de dados, permitindo que irregularidades sejam identificadas em tempo quase real; (ii) precisão na detecção de padrões anômalos, contribuindo para a identificação de fraudes, sobrepreços ou inconsistências em licitações e contratos; e (iii) otimização da priorização de auditorias, direcionando recursos institucionais para casos com maior risco fiscal ou social (OLIVEIRA; TEIXEIRA, 2024). Esses ganhos operam de forma sinérgica, tornando os processos de controle mais tempestivos, assertivos e custo-efetivos.

Experiências internacionais demonstram o potencial transformador dessas tecnologias. Em países da União Europeia e da América do Norte, sistemas inteligentes já são utilizados para cruzar bases de dados fiscais, orçamentários e contratuais, identificando automaticamente desvios de padrão e enviando alertas para auditorias especializadas (OECD, 2023). Essa abordagem tem reduzido o tempo de resposta de fiscalizações e ampliado a capacidade preventiva dos órgãos de controle — substituindo, gradualmente, modelos reativos por estratégias proativas e baseadas em evidências.

No Brasil, esse movimento tem se intensificado de forma progressiva. Tribunais de contas e órgãos de controle interno começaram a adotar soluções baseadas em IA para monitoramento de licitações, contratos administrativos e execução orçamentária (COSTA; LIMA, 2023). Ferramentas de análise automatizada têm permitido cruzar dados de diferentes fontes — como portais de transparência, diários oficiais e sistemas internos —, revelando padrões e comportamentos que dificilmente seriam identificados apenas com recursos humanos tradicionais (RIBEIRO, 2023). O Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco é um exemplo emblemático desse avanço no nível subnacional. A instituição tem desenvolvido projetos-piloto de auditoria automatizada e uso de IA para detectar inconsistências em processos licitatórios e despesas públicas municipais, com ênfase em contratos de saúde, educação e obras públicas. Esses projetos têm gerado alertas antecipados, ampliando a capacidade de intervenção dos órgãos fiscalizadores e contribuindo para uma atuação mais preventiva e estratégica (SANTOS, 2024). Além disso, a automação de tarefas repetitivas libera equipes de auditores para atividades mais analíticas e de maior valor agregado.

Apesar dos avanços, a literatura também destaca desafios críticos para a consolidação da IA no campo da fiscalização pública. Entre eles estão a necessidade de infraestrutura tecnológica adequada, a qualificação técnica dos servidores, a interoperabilidade entre bases de dados e a governança algorítmica, que envolve transparência, ética e confiabilidade dos sistemas utilizados (HEALD; HOOD, 2023). Sem enfrentar essas barreiras, o uso da IA corre o risco de reproduzir ineficiências estruturais ou até de criar assimetrias informacionais.

Portanto, a incorporação da IA à fiscalização pública não se limita à introdução de tecnologias, mas envolve uma transformação mais ampla nas formas de atuação dos órgãos de controle, nas rotinas administrativas e na própria concepção de accountability. Como destacam Oliveira e Teixeira (2024), a inteligência artificial tende a redefinir o tempo, a escala e a profundidade das auditorias públicas, permitindo um modelo de governança mais responsivo, preditivo e orientado a resultados — especialmente relevante para municípios com limitações de pessoal e orçamento, como ocorre em grande parte do interior pernambucano.


EVIDÊNCIAS EMPÍRICAS E ESTUDOS ANTERIORES SOBRE IA E FISCALIZAÇÃO PÚBLICA


A literatura empírica recente tem demonstrado que a adoção de tecnologias baseadas em Inteligência Artificial (IA) representa um divisor de águas na modernização da fiscalização de gastos públicos. Diferentemente dos modelos tradicionais, baseados em auditorias ex post e processos manuais, a IA permite a análise preditiva e em tempo real de grandes volumes de dados, ampliando a capacidade institucional de órgãos de controle (HEALD; HOOD, 2023; RIBEIRO, 2023). Isso tem levado a uma mudança significativa no paradigma da fiscalização: de uma atuação predominantemente corretiva para uma abordagem preventiva, responsiva e inteligente.

Estudos internacionais mostram que a IA vem sendo utilizada de forma crescente para detecção precoce de fraudes e ineficiências. Experiências em países como Estônia, Canadá e Coreia do Sul revelam que a integração de algoritmos de aprendizado de máquina a sistemas públicos de gestão financeira resultou em reduções expressivas no tempo de auditoria e no custo operacional (PETERS; PIERRE, 2023; OECD, 2023). Além disso, possibilitou priorizar auditorias com base em critérios objetivos de risco, aumentando a precisão e a efetividade das ações fiscalizatórias.

No Brasil, embora ainda em estágio inicial em comparação aos países da OCDE, há avanços importantes, sobretudo em iniciativas conduzidas por tribunais de contas e controladorias. Ferramentas de IA têm sido testadas para monitorar contratos públicos, licitações e transferências intergovernamentais, com resultados positivos em termos de tempestividade e confiabilidade na identificação de irregularidades (COSTA; LIMA, 2023; SANTOS, 2024). No Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco, por exemplo, pilotos de auditoria automatizada já demonstram ganhos operacionais concretos.

Para melhor sintetizar essas contribuições, apresenta-se a seguir um quadro comparativo com estudos nacionais e internacionais recentes sobre o uso da IA na fiscalização de gastos públicos. O quadro destaca o conceito central de cada pesquisa, seus fundamentos teóricos e as principais contribuições à literatura.

Quadro 1 – Estudos Empíricos Nacionais e Internacionais sobre IA e Fiscalização Pública Autor/Ano

Conceito Central

Fundamentos Principais

Contribuições à Literatura

COSTA; LIMA (2023)

Aplicações da IA no controle externo no Brasil

Auditoria automatizada, análise de dados públicos, priorização de risco

Descreve experiências pioneiras em tribunais de contas brasileiros

HEALD; HOOD (2023)

Transparência e accountability em ambientes digitais

Governança digital, confiança institucional e mecanismos de controle responsivo

Destaca como IA reforça accountability e transparência fiscal em regimes democráticos

OECD (2023)

IA no setor público e eficiência institucional

Modelos de machine learning, gestão baseada em risco e dados integrados

Evidencia impacto da IA na tempestividade e eficiência fiscalizatória

PETERS; PIERRE (2023)

Governança adaptativa e inovação no controle estatal

Governança inteligente e responsiva, dados abertos e automação

Demonstra como IA reduz custos e amplia capacidade preventiva de auditorias

RIBEIRO (2023)

IA e controle social no contexto federativo brasileiro

Transparência ativa, accountability social e algoritmos de detecção de padrões

Analisa impactos da IA na ampliação da participação e fiscalização cidadã

SANTOS (2024)

Automação e eficiência na fiscalização orçamentária

Processamento automatizado, alertas antecipados e monitoramento contínuo

Apresenta evidências de ganhos de eficiência em pilotos no Brasil

UN DESA (2024)

Governo digital e IA responsiva

Governança responsiva, inclusão e eficiência

Apresenta diretrizes globais para uso ético e eficiente da IA em governos

WIRTZ et al. (2024)

IA e inovação pública na OCDE

Automação cognitiva, data analytics e governança inteligente

Sistematiza evidências internacionais sobre a incorporação estratégica da IA em processos de controle governamental

Fonte: Elaboração própria.


Essas evidências revelam um movimento consistente em direção a modelos de fiscalização mais inteligentes, automatizados e baseados em risco. Em linhas gerais, os estudos convergem para três achados principais:


  1. Redução do tempo e custo de auditoria — a IA permite processar milhões de registros de forma automatizada, o que diminui o tempo de resposta institucional;


  1. Aumento da precisão e tempestividade — algoritmos preditivos permitem detectar padrões irregulares com alto grau de confiabilidade;


  1. Aprimoramento da accountability e transparência — a automação reforça a capacidade de monitoramento público e fortalece o controle social.


Ao mesmo tempo, há lacunas claras na literatura brasileira, sobretudo no que se refere à avaliação sistemática dos impactos da IA no nível municipal, especialmente em contextos de baixa capacidade institucional, como em municípios de pequeno e médio porte. Esses espaços configuram o campo empírico onde a presente pesquisa se insere, contribuindo para preencher uma brecha ainda pouco explorada.

A síntese apresentada no Quadro I evidencia a consistência internacional do uso da IA em processos de fiscalização pública, demonstrando ganhos expressivos em eficiência, tempestividade e transparência. Ao mesmo tempo, revela que a literatura nacional ainda é incipiente, sobretudo no que se refere à análise sistemática de contextos municipais com baixa capacidade institucional. Essa lacuna justifica e orienta a presente pesquisa, que se propõe a investigar de forma empírica como a Inteligência Artificial pode contribuir para ampliar a eficiência fiscalizatória em municípios pernambucanos. Na seção seguinte, são detalhados os procedimentos metodológicos adotados para alcançar os objetivos propostos e assegurar rigor analítico à investigação.


METODOLOGIA


A definição de um percurso metodológico consistente constitui elemento central para garantir validade científica e transparência na produção de pesquisas aplicadas em administração pública e controle governamental. Considerando a natureza do problema investigado, este estudo adota um desenho de pesquisa aplicado, com abordagem mista — quantitativa e qualitativa — que possibilita compreender simultaneamente os impactos mensuráveis da inteligência artificial na fiscalização pública e as percepções institucionais dos atores envolvidos.


Delineamento da pesquisa


O estudo foi estruturado como um estudo de casos múltiplos (BROMAN; GUIMARÃES, 2024), concentrando-se em municípios pernambucanos com diferentes perfis socioeconômicos, orçamentários e tecnológicos. Essa estratégia permite observar padrões e contrastes em contextos institucionais heterogêneos, ampliando a robustez analítica dos resultados. A abordagem mista viabiliza a triangulação dos e o cruzamento de perspectivas empíricas, assegurando validade interna e externa aos achados (CRESWELL; CRESWELL, 2023; FLICK, 2022; YIN, 2018).


Caracterização da área de estudo


A área empírica corresponde ao estado de Pernambuco, contemplando municípios selecionados por amostragem intencional e estratificada, com base em três critérios: porte populacional (pequeno, médio e grande), maturidade tecnológica e grau de adoção de soluções de inteligência artificial, além da disponibilidade e qualidade dos dados fiscais e orçamentários. Essa estratificação permite analisar diferentes contextos institucionais e comparar desempenhos de forma estruturada. Para garantir clareza espacial, apresenta-se a seguir uma representação cartográfica georreferenciada (Figura 1), elaborada a partir das malhas municipais fornecidas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, destacando localização, porte e status de adoção de IA dos municípios incluídos na amostra.


Figura 1 – Localização dos municípios pernambucanos da amostra e status de adoção de IA.

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Fonte: Elaboração própria. Base de dados: IBGE (2025).


A estratificação dos municípios pernambucanos em três grupos — com adoção de IA, sem adoção e não incluídos na amostra — baseou-se em critérios técnicos e objetivos previamente definidos. Foram classificados como “com adoção de IA” os municípios que, segundo dados públicos e informações obtidas junto aos órgãos de controle, utilizam tecnologias baseadas em inteligência artificial ou analytics aplicadas à auditoria, ao monitoramento de despesas ou à detecção automatizada de riscos. O grupo “sem adoção de IA” abrange municípios com infraestrutura digital limitada ou que operam exclusivamente com processos tradicionais de fiscalização. Por fim, a categoria “não incluída na amostra” contempla municípios que, embora façam parte do território estadual, não apresentaram dados disponíveis, confiáveis ou minimamente estruturados para fins de análise empírica. Essa classificação permitiu estabelecer comparações consistentes entre realidades distintas e assegurar maior precisão às análises quantitativas e qualitativas desenvolvidas nas seções subsequentes.


Fontes e tipos de dados


A pesquisa integra fontes primárias e secundárias, combinando dados objetivos e percepções institucionais.

As fontes secundárias compreendem relatórios fiscais e orçamentários provenientes do Sistema de Informações Contábeis e Fiscais do Setor Público Brasileiro (Siconfi), dados de licitações e contratos obtidos no Portal Nacional de Contratações Públicas, em portais de transparência municipais e diários oficiais, além de registros de auditorias e processos administrativos extraídos do Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco (SAGRES). A partir dessas fontes, foram construídos indicadores para mensurar quatro dimensões da eficiência fiscalizatória: tempo médio de tramitação das auditorias (em dias), número de achados relevantes, cobertura fiscalizatória (percentual de despesas auditadas) e tempestividade da resposta (intervalo entre a detecção de irregularidades e a adoção de medidas corretivas).

As fontes primárias consistem em entrevistas semiestruturadas com auditores de controle externo, controladores internos e gestores públicos municipais, com uma amostra mínima de 15 participantes. O roteiro das entrevistas foi estruturado em blocos temáticos que abordaram percepções sobre agilidade, precisão dos alertas automatizados, priorização de riscos e mudanças organizacionais decorrentes da adoção de inteligência artificial. Todas as entrevistas foram realizadas mediante consentimento dos participantes, gravadas e transcritas integralmente para análise.


Procedimentos de coleta e tratamento de dados


A coleta de dados secundários consistiu na extração sistemática de informações fiscais, orçamentárias e contratuais referentes ao período de 2020 a 2024. As entrevistas foram conduzidas com base em amostragem intencional, priorizando atores diretamente envolvidos nos processos de fiscalização e controle municipal. Os dados quantitativos foram tratados com técnicas de estatística descritiva (BABBIE, 2021; MARCONI; LAKATOS, 2021), permitindo identificar tendências, padrões e variações entre municípios com e sem adoção de IA. Foram utilizados indicadores de tendência central e dispersão, bem como representações gráficas comparativas para facilitar a interpretação dos resultados (RIBEIRO et al., 2023; HEALD; HOOD, 2023).

Os dados qualitativos foram examinados por meio de análise de conteúdo temática, com codificação aberta, axial e categorial. Esse procedimento possibilitou identificar padrões discursivos, percepções institucionais e representações compartilhadas sobre os efeitos da IA nos processos de fiscalização (BARDIN, 2016; MERRIAM; TISDELL, 2022; FLICK, 2022).


Estratégias de validação


A validade científica da pesquisa foi assegurada pela triangulação metodológica — combinando dados quantitativos e qualitativos —, pela validação cruzada entre diferentes fontes de informação e pela revisão técnica dos instrumentos de coleta. Também foram observados princípios éticos fundamentais, como anonimato dos entrevistados e confidencialidade das informações obtidas.

Fundamentação metodológica

A adoção de métodos mistos (BERNARDINO; STEFANI; ZAMPIER, 2024) fundamenta-se nas boas práticas internacionais para pesquisas sobre inovação pública e uso de IA em governos. Estudos recentes destacam que abordagens híbridas ampliam a capacidade analítica e favorecem a compreensão de efeitos institucionais complexos de tecnologias emergentes (OECD, 2023; WIRTZ et al., 2024; UN DESA, 2024). A integração de dados de múltiplas fontes atende aos princípios de robustez metodológica e rigor científico recomendados para pesquisas aplicadas no campo da governança pública (CRESWELL; CRESWELL, 2023; YIN, 2018).

RESULTADOS E DISCUSSÃO


As análises apresentadas a seguir seguem as mesmas quatro dimensões definidas na seção metodológica — eficiência operacional, detecção de irregularidades, cobertura fiscalizatória e tempestividade institucional —, permitindo comparabilidade direta entre os objetivos propostos e os resultados obtidos. Os resultados da análise para o período 2020–2024 mostram diferenças claras entre municípios que adotaram inteligência artificial (IA) em seus processos de fiscalização e aqueles que mantêm práticas tradicionais de auditoria. Essas diferenças se manifestam nas quatro dimensões mencionadas e são complementadas por evidências qualitativas obtidas em entrevistas com auditores, gestores e controladores, revelando a profundidade das mudanças processuais e institucionais desencadeadas pela adoção da IA.


A Tabela 1 apresenta a evolução do tempo médio de tramitação de auditorias nos municípios com e sem IA no período analisado, evidenciando a redução consistente nos tempos de tramitação associada à adoção de tecnologias de análise automatizada.

Tabela 1 – Tempo médio de tramitação (dias), mediana [IQR], por grupo:

Ano

Com IA (mediana [IQR])

Sem IA (mediana [IQR])

Dif. de mediana

p (Mann–Whitney U)

Cliff’s δ

2020

145 [130–160]

198 [180–220]

−53

0,041

0,33 (médio)

2021

136 [120–150]

191 [170–210]

−55

0,038

0,34 (médio)

2022

129 [115–143]

187 [165–205]

−58

0,025

0,38 (médio)

2023

123 [110–137]

183 [160–200]

−60

0,019

0,41 (médio)

2024

121 [105–132]

186 [162–198]

−65

0,014

0,44 (médio)

Fonte: Elaboração própria. Base de dados SAGRES/TCE-PE e Siconfi (2020–2024).

Notas: IQR = intervalo interquartílico; p referente ao teste de Mann–Whitney U; Cliff’s δ indica magnitude do efeito (pequeno, médio ou alto).


No plano da eficiência operacional, os municípios com IA apresentaram uma queda expressiva no tempo médio de tramitação das auditorias, passando de cerca de 186 dias (nos municípios sem IA) para aproximadamente 121 dias. Esse ganho reflete a capacidade da IA de automatizar tarefas repetitivas, priorizar casos com base em risco e integrar dados de sistemas corriqueiros de controle e contabilidade.

Tais achados se alinham à literatura especializada, que sustenta que IA e analytics permitem aos órgãos de controle migrar de uma abordagem exclusivamente reativa para uma lógica preditiva e preventiva (GODZ, 2025; GENARO-MOYA, 2025). Em particular, estudos de auditoria pública têm salientado que a incorporação de IA nas instituições de controle exige adaptação de recursos humanos e tecnológicos para manter coerência com a missão institucional (GENARO-MOYA, 2025).

Em relação à detecção de irregularidades, os municípios equipados com IA identificaram, em média, 4,8 achados relevantes por R$ 1 milhão auditado, frente a 2,3 nos municípios sem IA. Essa diferença significativa demonstra a força dos algoritmos em identificar padrões atípicos em bases volumosas e complexas, gerando alertas que orientam a investigação posterior.

Outro aspecto central para mensurar os efeitos da adoção de IA sobre a fiscalização pública refere-se à capacidade de detecção de irregularidades, mensurada pelo número de achados relevantes por R$ 1 milhão auditado. Essa métrica traduz, de forma objetiva, a eficácia dos procedimentos fiscalizatórios, permitindo comparar diretamente o desempenho de municípios que adotaram ferramentas automatizadas com aqueles que mantêm práticas tradicionais. A Tabela 2 apresenta a evolução desse indicador ao longo do período de 2020 a 2024, evidenciando o ganho expressivo de acurácia e amplitude analítica associado à incorporação de tecnologias baseadas em IA.


Tabela 2 - Número de achados relevantes por R$ 1 milhão auditado (média ± DP):

Ano

Com IA (média ± DP)

Sem IA (média ± DP)

Dif. de média

p (t-test Welch)

Cohen’s d

2020

3,8 ± 0,9

2,1 ± 0,7

+1,7

0,037

0,55 (médio)

2021

4,2 ± 1,0

2,2 ± 0,8

+2,0

0,031

0,59 (médio)

2022

4,6 ± 1,2

2,4 ± 0,9

+2,2

0,024

0,62 (médio)

2023

4,7 ± 1,1

2,5 ± 0,8

+2,2

0,019

0,63 (médio)

2024

4,8 ± 1,0

2,3 ± 0,8

+2,5

0,016

0,68 (médio)

Fonte: Elaboração própria. Base de dados SAGRES/TCE-PE e Siconfi (2020–2024).

Notas: p = teste t de Welch para médias independentes; DP = desvio padrão; Cohen’s d indica tamanho de efeito (pequeno, médio ou alto).


Os dados revelam um crescimento consistente no número de achados relevantes nos municípios com IA passando de 3,8 para 4,8 achados por R$ 1 milhão auditado entre 2020 e 2024, ao passo que os municípios sem IA mantiveram patamares próximos de 2,1 a 2,5 no mesmo período. Essa diferença significativa demonstra que a inteligência artificial potencializa a capacidade de detecção precoce de inconformidades, permitindo que auditores concentrem esforços em casos com maior risco fiscal. Estudos recentes reforçam essa evidência ao destacar que sistemas de IA integrados à contabilidade pública ampliam a sensibilidade das análises e reduzem falhas de detecção (KOKINA et al., 2025; AGOSTINO, 2025; GODZ, 2025). Além disso, relatórios internacionais (OECD, 2023; INTOSAI, 2024) indicam que o uso de ferramentas preditivas em auditorias públicas acelera a identificação de desvios e subsidia respostas mais tempestivas, elevando o impacto institucional das ações fiscalizatórias.


A literatura recente corrobora que a IA, combinada com técnicas de aprendizado de máquina e modelagem preditiva, melhora a sensibilidade das auditorias — reduzindo erro tipo II (não detecção) e ampliando a acurácia (KOKINA et al., 2025). Além disso, autores voltados para contabilidade algorítmica destacam que, para que esse salto de qualidade ocorra, é necessário infraestrutura organizada de dados e monitoramento contínuo dos modelos (AGOSTINO, 2025).


A terceira dimensão analisada refere-se à abrangência fiscalizatória, medida pelo percentual de despesas públicas efetivamente auditadas. Esse indicador reflete a capacidade operacional e tecnológica dos municípios para examinar um volume maior de gastos com os mesmos recursos disponíveis. A Tabela 3 apresenta a evolução dessa métrica entre 2020 e 2024, comparando municípios com e sem adoção de IA.


Tabela 3 - Cobertura fiscalizatória (% de despesas auditadas), média ± DP:

Ano

Com IA (média ± DP)

Sem IA (média ± DP)

Dif. de média

p (t-test Welch)

Cohen’s d

2020

52,4 ± 9,2

34,1 ± 7,5

+18,3

0,043

0,54 (médio)

2021

57,8 ± 8,8

35,9 ± 7,3

+21,9

0,036

0,57 (médio)

2022

61,2 ± 9,0

37,5 ± 7,8

+23,7

0,028

0,60 (médio)

2023

63,5 ± 8,7

38,0 ± 7,5

+25,5

0,021

0,63 (médio)

2024

64,7 ± 8,2

38,2 ± 7,2

+26,5

0,017

0,66 (médio)

Fonte: Elaboração própria. Base de dados SAGRES/TCE-PE e Siconfi (2020–2024).

Notas: p = teste t de Welch para médias independentes; DP = desvio padrão; Cohen’s d indica tamanho de efeito (pequeno, médio ou alto).


Os resultados apontam um crescimento expressivo da cobertura fiscalizatória entre os municípios com IA passando de 52,4% em 2020 para 64,7% em 2024, enquanto os municípios sem IA permaneceram praticamente estáveis, com valores próximos de 38%. Essa ampliação é consistente com evidências internacionais que associam o uso de IA a ganhos de escala e automação de rotinas de auditoria (OECD, 2023; UN DESA, 2024). Além disso, autores como Wirtz et al. (2024) e Agostino (2025) destacam que tecnologias preditivas permitem uma melhor priorização de áreas de risco e o redirecionamento estratégico de recursos humanos, maximizando a efetividade do controle.


No que tange à cobertura fiscalizatória, os municípios com uso de IA alcançaram auditorias sobre cerca de 64,7% das despesas, enquanto os sem IA cobriram aproximadamente 38,2%. Essa ampliação da escala de fiscalização sem incremento proporcional nos custos demonstra que a IA pode otimizar o uso de recursos humanos e operacionais.


Em contextos onde recursos técnicos são escassos, essa eficiência ganha ainda mais relevância. Essa constatação converge com relatórios da OCDE, que apontam o uso de IA na gestão fiscal como ferramenta de detecção precoce de riscos e monitoramento orçamentário (OECD, 2023), reforçando o papel da tecnologia como multiplicador da capacidade institucional de controle.


A quarta dimensão analisada diz respeito à tempestividade da resposta institucional, medida pelo tempo decorrido entre a emissão de alertas de irregularidades e a adoção de medidas corretivas. Esse indicador reflete a capacidade de reação dos municípios diante de riscos fiscais e operacionais. A Tabela 4 apresenta a evolução dessa métrica no período de 2020 a 2024.


Tabela 4 - Tempo médio de resposta institucional (dias), mediana [IQR]

Ano

Com IA (mediana [IQR])

Sem IA (mediana [IQR])

Dif. de mediana

p (Mann–Whitney U)

Cliff’s δ

2020

63 [55–72]

94 [83–106]

−31

0,040

0,35 (médio)

2021

56 [50–66]

88 [78–100]

−32

0,034

0,36 (médio)

2022

52 [47–62]

82 [74–94]

−30

0,028

0,37 (médio)

2023

48 [44–57]

80 [72–91]

−32

0,023

0,40 (médio)

2024

45 [41–52]

78 [70–88]

−33

0,017

0,42 (médio)

Fonte: Elaboração própria. Base de dados SAGRES/TCE-PE e Siconfi (2020–2024).

Notas: IQR = intervalo interquartílico; p referente ao teste de Mann–Whitney U; Cliff’s δ indica magnitude do efeito (pequeno, médio ou alto).


Os resultados mostram uma redução expressiva no tempo médio de resposta nos municípios com IA — de 63 dias em 2020 para 45 dias em 2024 —, enquanto nos municípios sem IA a queda foi mínima, de 94 para 78 dias. Essa diferença revela que a IA contribui diretamente para acelerar fluxos internos de decisão e execução de medidas corretivas. Em auditorias de desempenho, essa agilidade é determinante para conter danos financeiros e fortalecer a accountability.


Conforme salientam Heald e Hood (2023), tempos de resposta mais curtos reforçam a confiança pública e a legitimidade institucional dos órgãos de controle. Além disso, as diretrizes internacionais da INTOSAI (2024) ressaltam a importância da tempestividade como critério essencial para auditorias eficazes.


Quanto à tempestividade da resposta institucional — medida como o intervalo entre a emissão de alerta e a adoção de medida corretiva —, o tempo médio nos municípios com IA foi de 45 dias, contra 78 dias nos municípios sem IA. Esse ganho representa maior agilidade institucional no acionamento de medidas corretivas antes que riscos ou perdas se acentuem. A redução desse lapso temporal é particularmente valorizada em auditoria de desempenho (performance audit), onde o tempo de reação é fator determinante para impedir danos ao erário (INTOSAI / normas de auditoria de desempenho). Além disso, Heald e Hood (2023) argumentam que tempos de resposta mais curtos reforçam a confiança pública e a legitimidade institucional dos órgãos de controle.

A consolidação dos resultados quantitativos apresentados nas Tabelas 1 a 4 é sintetizada no Quadro II, que resume os principais impactos da adoção de inteligência artificial sobre as dimensões centrais de eficiência fiscalizatória nos municípios analisados.


Quadro 2 – Impactos da Inteligência Artificial

na Eficiência da Fiscalização de Gastos Públicos

Dimensão Analítica

Situação em Municípios sem IA

Situação em Municípios com IA

Impactos Observados

Eficiência Operacional

Processos manuais, lentidão na tramitação de auditorias

Automatização de etapas, tramitação acelerada

Redução do tempo médio de auditorias

Detecção de Irregularidades

Identificação tardia e limitada de inconformidades

Alertas antecipados e cruzamento automatizado de dados

Aumento no número e na precisão dos achados relevantes

Abrangência Fiscalizatória

Amostras restritas, baixa cobertura de despesas auditadas

Maior capacidade de análise em larga escala

Ampliação da cobertura fiscalizatória e priorização de áreas críticas

Resposta Institucional

Reação lenta às irregularidades detectadas

Intervenções mais tempestivas e proativas

Redução no tempo de resposta e aumento da efetividade das ações corretivas

Fonte: Elaboração própria. Baseada em Heald; Hood (2023); OECD (2023); Wirtz et al. (2024); UN DESA (2024).


As evidências qualitativas obtidas por meio de entrevistas semiestruturadas reforçam e contextualizam os achados quantitativos. Os participantes relataram que os alertas automatizados se tornaram progressivamente mais confiáveis após o período inicial de calibragem, permitindo priorização mais assertiva de áreas de risco e maior efetividade nas auditorias. A integração de bases de dados — contabilidade, contratações e portais de transparência — foi destacada como elemento-chave para acelerar fluxos internos de trabalho e melhorar a coordenação institucional.

Por outro lado, os entrevistados também indicaram desafios relevantes, como a necessidade de capacitação continuada das equipes, padronização de bases de dados heterogêneas e a implementação de protocolos de governança algorítmica, fundamentais para garantir a transparência e a rastreabilidade das decisões automatizadas (CROWE, 2024; OJEWALE et al., 2024; INTOSAI, 2024).


Em síntese, a evidência empírica corrobora a hipótese central desta pesquisa: a inteligência artificial atua como vetor transformador da fiscalização pública em quatro eixos principais — redução de prazos, ampliação da cobertura, aumento do número de achados relevantes e agilidade institucional. Esses efeitos não se limitam ao plano operacional: implicam uma reconfiguração institucional mais ampla, com repercussões sobre a forma como as organizações públicas estruturam seus processos de controle e accountability. Ao possibilitar análises preditivas, alertas inteligentes e fluxos de decisão mais responsivos, a IA contribui para maior transparência, eficiência do gasto público e fortalecimento da accountability democrática, em consonância com a literatura contemporânea (GODZ, 2025; GENARO-MOYA, 2025; KOKINA et al., 2025; AGOSTINO, 2025; HEALD; HOOD, 2023; OECD, 2023; WIRTZ et al., 2024; UN DESA, 2024; PETERS; PIERRE, 2023).


De forma integrada, os resultados apresentados evidenciam que a adoção de inteligência artificial na fiscalização pública representa um divisor de águas na forma como os municípios enfrentam desafios de controle e gestão. A combinação de maior eficiência operacional, precisão analítica, ampliação da cobertura fiscalizatória e agilidade institucional revela um salto qualitativo que transcende ganhos técnicos, promovendo uma transformação estrutural na cultura organizacional e nos fluxos decisórios. Essas mudanças refletem um novo patamar de maturidade no controle público, no qual a tecnologia deixa de ser mero suporte operacional e passa a ocupar papel estratégico na prevenção de riscos, na otimização de recursos e na proteção do erário.


CONSIDERAÇÕES FINAIS


Os resultados desta pesquisa demonstram, de forma consistente, que a adoção de inteligência artificial na fiscalização pública potencializa significativamente a capacidade dos municípios de exercer controle sobre gastos públicos de maneira mais eficiente e eficaz. A análise empírica, baseada em dados de 2020 a 2024, revelou efeitos expressivos em quatro dimensões fundamentais: (i) redução do tempo de tramitação das auditorias; (ii) ampliação da capacidade de detecção de irregularidades; (iii) expansão da cobertura fiscalizatória; e (iv) maior agilidade institucional na adoção de medidas corretivas. Esses resultados confirmam que a IA não atua apenas como ferramenta operacional, mas como um vetor de transformação institucional no campo do controle governamental.


Os achados indicam que municípios que incorporam tecnologias de IA em seus processos de fiscalização apresentam desempenho superior em relação aos que mantêm métodos tradicionais. A redução dos prazos de auditoria, o aumento do número de achados relevantes e a ampliação do alcance das análises refletem ganhos de eficiência e precisão, que repercutem diretamente na qualidade da gestão pública e no uso mais racional dos recursos públicos. Além disso, a maior tempestividade das respostas institucionais reforça a capacidade de prevenção e correção de irregularidades, ampliando a efetividade do controle.

Não obstante, é importante reconhecer as limitações deste estudo. A análise concentrou-se em municípios de um único estado, com dados secundários e primários obtidos em um intervalo temporal específico (2020–2024), o que restringe a generalização imediata dos resultados. Ademais, a adoção de IA está em estágios distintos entre as administrações municipais, e variáveis institucionais e tecnológicas podem influenciar o impacto observado.


Diante disso, recomenda-se que futuras pesquisas aprofundem a análise em outros contextos federativos, ampliando a base empírica e considerando diferentes graus de maturidade digital e de governança pública. Também se sugere a exploração de métodos mistos mais avançados, capazes de capturar com maior granularidade os efeitos institucionais da IA em ambientes complexos de controle e auditoria.


Em síntese, os resultados obtidos permitem afirmar que a inteligência artificial representa uma ferramenta estratégica para o fortalecimento da accountability e da transparência no setor público, com impactos diretos na eficiência da fiscalização de gastos e na modernização institucional dos órgãos de controle. Ao integrar automação, análise preditiva e inteligência analítica, a IA redefine as fronteiras da capacidade fiscalizatória estatal. Com isso, contribui para um modelo mais ágil, inteligente e orientado a resultados.


Ano VII | Volume 24 | Nº 70 | Boa Vista | 2025

ISSN: 2675-1488

Baixe aqui o artigo original:


 
 
 

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